Lá no século 19, Machado de Assis já enxergava o Brasil de hoje quando afirmou “Existem 2 brasis: o país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”.
Ninguém ousa contrariar que o Brasil real é maravilhoso e seu maior patrimônio é seu povo, tão bem descrito no samba enredo de Silas de Oliveira, intitulado aquarela brasileira, inspirado em aquarela do Brasil, de Ary Barroso e levado pra avenida pela escola Império Serrano no carnaval de 1964.
É um povo bom, trabalhador, criativo, pacífico e ordeiro, mas destemido quando necessário.
Responsável e consciente de que o futuro dos seus filhos e netos depende dos seus atos no presente.
Já o país oficial é mesmo caricato e burlesco, cômico se não fosse trágico.
Mas quem personifica esse país oficial, caricato e burlesco?
Para saber, é necessário lembrar que em 05/10/88, a nova Constituição, sabiamente apelidada de carta cidadã, desenhou o país oficial.
Óbvio que não era para ser burlesco e caricato, mas ao contrário, era um desenho perfeito no qual o estado seria instrumento para reconstrução de uma nação pacífica, ordeira, trabalhadora e feliz, onde os exercentes de funções públicas agiriam como serviçais da nação e não se serviriam dessa nação.
Para bem desempenhar suas funções, adotou-se o tripé de poderes que deveriam atuar no âmbito restrito de suas atribuições e comportando-se OBRIGATORIAMENTE de modo independente mas harmônico.
Funcionando assim, a democracia estaria resgatada e o objetivo final de um povo soberano, pacífico, ordeiro, trabalhador e feliz restaria atingido.
Em síntese, nesse filme chamado Brasil, o país oficial seria um importante coadjuvante serviçal do povo, e ao povo era reservado o papel principal, destinatário dos serviços prestados pelos serviçais e, a quem caberia beijar a mocinha no final.
Infelizmente, passados apenas 33 anos, esse desenho foi sendo desfeito, não pelo povo, mas por despreparados ocupantes das funções públicas.
Primeiro, subverteu-se a ordem lógica das coisas quando esses despreparados, usando a força do aparelho estatal se julgaram protagonistas do filme relegando o povo ao papel coadjuvante, numa inversão de papéis inaceitável.
Esses, a quem se destinou o privilégio de ser serviçal do povo, passaram a exigir ser chamados de excelência.
Passou indevidamente a costurar um tecido social que construía privilégios para si, exigindo que o povo continuasse a sustentar isso, apelidando-os cinicamente de “contribuintes”;
Chegou-se ao ponto de, ao cidadão que precisasse de cuidados médicos apelidá-lo de “paciente”, isto é, os subversivos da ordem, da lógica e desobedientes dos mandamentos libertários da carta cidadã assumiram a célebre frase de Nelson Rodrigues, maior dramaturgo do país que afirmou, há 50 anos atrás: ”Os idiotas perderam a modéstia e vão governar o país, não pela qualidade que não possuem, mas pela quantidade. eles são muitos.”
Construíram corporações e tornaram o povo refém delas.
Desmascarados, a confiança do povo foi minando e esse descrédito atingiu em cheio, inicialmente os poderes Executivo e Legislativo, o que explica parcialmente a renovação do parlamento e da presidência sob o manto da “nova política” (seja lá o que isso signifique).
Mas pela suas especificidades, a renovação a cada 4 anos permite que esses poderes se reinventem, o que não acontece com o Judiciário, que também pelas suas especificidades (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade salarial) não conseguem reinventar-se.
Aqui, vale fazer um recorte para ressaltar que, por enquanto, a descredibilidade atinge exclusivamente a cúpula do poder, mais especificamente alguns integrantes do STF, não tendo ainda contaminado o juízo de piso e os tribunais, mas em razão da generalização natural, em breve contaminará, se persistirem as bobagens praticadas pela cúpula.
Contando com a ajuda luxuosa da chamada “grande mídia”, cujo interesse é a manutenção do sistema que a beneficia com inexplicáveis “verbas publicitárias” que entorpecem muitos, essa “grande mídia” adultera, frauda, inventa e esconde fatos, para tentar continuar enganando a população com construção de enredos mentirosos e draconianos que não resistem a verdade dos fatos.
Sendo assim, saiamos dessa bolha de mentiras da “grande mídia” e brinquemos de falar a verdade.
Diferentemente da narrativa da “grande mídia”, o clima de pré convulsão reinante no país ocorre porque ninguém mais, minimamente atento e informado, confia na cúpula do judiciário.
E esse descrédito, ao contrário da narrativa mentirosa da “grande mídia”, não ocorre por eventuais exageros de linguagem, xingamentos, ou agressões verbais direcionadas aos membros da cúpula.
Não, não é por isso. O descrédito se dá por atos, omissões e comportamentos inadequados e indecorosos de alguns membros dessa cúpula.
A lista, que faria a alegria de Stanislau Ponte Preta é quase infindável, mas relembramos apenas alguns fatos que alimentam a indignação, já quase incontida, da nação em relação a alguns membros dessa cúpula:
O que corroeu a confiança da nação, vital para uma corte, é não ter a quem recorrer quando se está diante de flagrante abuso contido em decisões temerárias adotadas sob suspeita de que servem para dar vazão a instintos autoritários de quem as prolatou.
O que corrói a confiança é ver um ministro da mais alta corte afirmar que naquela corte “existe fila para pegar senha com o objetivo de compra de sentença.”, e nada ser investigado;
É assistir um julgamento e um ministro dizer para outro “feche seu escritório de advocacia.” e nada ser apurado;
É um ministro, parecendo estar num boteco afirmar, “mexeu com um, mexeu com todos”;
É conceder medida liminar (naturalmente precária) e sentar em cima do processo deixando passar longos anos, e com isso negar a prestação jurisdicional requerida, causando colossal prejuízo financeiro aos cofres públicos, que relembre-se é integralmente financiado pelo tal do povo;
O que faz a nação desacreditar na cúpula é pedir vistas do processo e não colocá-lo para julgamento até que ocorra a prescrição, gerando impunidade para alguns poucos privilegiados;
O que deteriora a confiança da nação é saber que existem “funcionários” pagos com dinheiro público para “cuidar da imagem” de ministros;
É exigir tratamento de reverência para si, revelando que o delegatário se julga superior ao delegante numa completa subversão da ordem e da lógica.
É a utilização de inúmeras pessoas, com custo altíssimo para atuar como segurança “protegendo-os” dos simples mortais, mas que são seus patrões e financiadores;
Não senhores, a democracia não está em risco porque membros de outros poderes agem contrariando-lhes;
A democracia está em risco porque diariamente os senhores praticam atos à margem da lei, fantasiados de “decisões judiciais” objetivando tão somente satisfazer seus instintos autoritários;
A democracia está ruindo no Brasil porque os senhores estão usando a força do estado para prender, antes mesmo de qualquer julgamento e base legal frágil, sofismática e controversa, advogados, jornalistas, deputados, e outros que tem em comum a coragem de ousar contrariá-los.
O que corrói a confiança e faz desmoronar a democracia é prender deputado na calada da noite e pior, por força de um teratológico “mandado de prisão em flagrante”, talvez achado no “direito das ruas”;
A democracia desmorona porque os senhores usam a força do estado para invadir as casas de pessoas de bem, sejam jovens ou anciãos, a pretexto de “buscas e apreensões”, humilhando-os porque “ousaram” dizer o que os senhores detestam ouvir, o que mostra que o encontro com o espelho é sempre traumático;
O que destrói a democracia é a nação saber que acontece tudo isso e a comemoração é regada a lagostas onde o provedor (o tal de povo), não é convidado sequer para lavar os pratos;
O que deteriorou e fez ruir a confiança é conduzir inquéritos em que o condutor, a suposta vítima, e o investigador são também os “julgadores”, contrariando as mais comezinhas lições do direito, até mesmo para um simples estudante. E pior, essas decisões são embrulhadas como “atos judiciais” de tal modo que não se tem a quem recorrer, restando ao “atrevido” que ousou contrariá-los, acumular uma indignação incontida;
Muitos outros fatos, não narrativas, poderiam ser relembrados para demonstrar porque os senhores geraram insegurança jurídica no país, fomentaram indignação e corroeram a confiança da nação, vital para qualquer poder da república, colocando a democracia em risco, mas cansaria os que generosamente leram este desabafo até aqui.
Como se pode perceber, ninguém é contra o STF, pois trata-se de uma das vigas que sustentam o edifício constitucional criado para abrigar a democracia resgatada com a carta cidadã; mas somos contra o que os senhores fizeram com esse poder, maculando-o.
Finalizamos afirmando que o país se aproxima perigosamente do caos, tão bem simbolizado numa cena patética em que um juiz, praticando atos semelhantes aos listados acima, julgando-se acima da nação a quem deveria servir, numa sala de audiência superlotada, gritava pedindo silêncio e ordem e o povo fingia não ouvi-lo e nem vê-lo, cena esta que finaliza a obra prima do cinema “os sete de Chicago.”
Sinceramente senhores, diante dessa fartura de atos atentatórios à democracia, acreditam que o banco que devem ocupar é o de julgadores?
Diante de tudo isso, com as vênias de estilo, talvez se os senhores viessem a público pedir desculpas a nação e prometerem não repetir mais tantas bobagens, é possível que a magnanimidade da nação os perdoe, mas caso o perdão não venha, ficará registrado pelo menos a humildade do reconhecimento dos erros cometidos.
Relembramos que a data que melhor simboliza a luta pela liberdade, e a repulsa à ditadura é o próximo sete de setembro, pois é o dia em que todos os brasileiros comemoram a nossa libertação daqueles que não respeitavam a nação e nos oprimiam usando indevidamente a força do estado.
Viva a liberdade, viva o Brasil.
Brasília, 30 de agosto de 2021.
Amilton Figueiredo
André Gomes
Fátima Bispo
Guilherme Pontes
Mário Sérgio da Costa Ramos
Kaydher Lasmar
Raimundo Ribeiro
Cidadãos indignados
Fonte: Portal do Callado