Gustavo Uribe e Julia Chaib Brasília-DF
As reuniões discretas não são incluídas nas agendas oficiais dos candidatos, um pedido dos deputados infiéis para não sofrerem retaliações de seus partidos
Com uma eleição acirrada, os dois principais candidatos à presidência da Câmara dos Deputados têm adotado método pouco usual para garantir margem segura de vantagem na disputa.
Em corrida marcada por ameaças de defecção, tanto Arthur Lira (PP-AL) como Baleia Rossi (MDB-SP) têm recebido ligações sigilosas e participado de encontros reservados com deputados filiados a partidos do bloco adversário.
As reuniões discretas não são incluídas nas agendas oficiais dos candidatos, um pedido dos deputados infiéis para não sofrerem retaliações de seus partidos –e costumam ser solicitadas pelos próprios traidores.
O objetivo deles ao declarar de maneira reservada apoio ao candidato rival é tanto garantir que nomeados políticos não sejam exonerados como assegurar um canal de diálogo caso o adversário vença.
Os encontros têm ocorrido durante as viagens de campanha dos candidatos. Segundo relatos à reportagem, reuniões são promovidas nos apartamentos de deputados, nos hotéis onde os candidatos estão hospedados ou até mesmo em hangar de aeroporto.
Para garantir a discrição, alguns encontros são marcados de madrugada e com pouca gente, para não chamar a atenção. Os infiéis reclamam da marcação cerrada de governadores para que apoiem seus candidatos.
Uma dessas reuniões ocorreu neste mês em Fortaleza. Para evitar que o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), ficasse sabendo, já que apoia a candidatura de Baleia, um encontro de Lira com deputados federais do PDT foi promovido no apartamento de um dos participantes.
No Ceará, o candidato do presidente Jair Bolsonaro tem a simpatia de parcela dos partidos de esquerda. Isso torna maior o risco de traições.
Nas conversas reservadas, Lira faz questão de lembrar que votou em Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno da eleição presidencial de 2018.
Neste mês, outro encontro foi promovido em Florianópolis, desta vez pelo candidato do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Segundo relatos de aliados, Baleia se reuniu, em sala da Assembleia de Santa Catarina, com deputados federais do PSD, sigla que forma o bloco de apoio a Lira.
No estado, MDB e PSD têm uma relação de proximidade, embora tenham lançado candidaturas próprias à Prefeitura de Florianópolis no ano passado.
Lira também teve conversas individuais em São Paulo, Rio e Teresina com congressistas de PT, PSB e PSDB, siglas que apoiam Baleia. Já o emedebista teve reuniões discretas com deputados do centrão, bloco liderado justamente por Lira.
Baleia também tem sido obrigado a manter reserva em encontros com parlamentares que integram seu próprio bloco. Eles detêm indicados em cargos no governo e têm sido ameaçados com exoneração Planalto.
O deputado federal Flaviano Melo (MDB-AC), por exemplo, relatou a três colegas que o governo demitiu nomes apadrinhados por ele que estavam empregados em postos no Acre. Melo declarou apoio a Baleia e apareceu em fotos com ele.
Ainda no Acre, há deputados federais do PSDB que também possuem postos no governo e se reuniram de forma reservada com integrantes da campanha de Baleia pelo receio de serem retaliados.
Segundo relatos de aliados, ao tomar conhecimento das agendas dos candidatos, os deputados infiéis costumam telefonar para pedir audiências privadas. Com receio de serem descobertos, alguns deles optam por declarar apoio apenas pelo telefone.
Hoje, os dois blocos fazem o cálculo de que há um percentual de risco de defecção de pelo menos 20%. Ou seja, que no mínimo um quinto dos deputados federais que formam cada grupo partidário poderá votar no candidato adversário.
Para evitar uma margem grande de traições, tanto Lira como Baleia trabalham para reduzir esse percentual a 10%. Para isso, contam com a pressão de prefeitos e governadores, que sinalizam com a perda de cargos e liberação de obras.
Na tentativa de ter mais controle sobre a base de apoio, Lira e Baleia trabalham com um mapa de votações, que é dividido por partidos ou regiões.
Segundo relatos de deputados, cada grupo é delegado a um aliado, que tem o objetivo de checar e assegurar aquele apoio.
A contagem de votos é feita inclusive nos deslocamentos aéreos, realizados em jatinhos contratados pelas campanhas. Na tentativa de fidelizar apoios, Baleia conta com a atuação direta de seu padrinho eleitoral.
Maia tem participado de boa parte das viagens. Não só o presidente da Câmara dispara ligações para deputados como tem sido o principal responsável pelo contato com governadores, apoios considerados cruciais para evitar traições.
Bolsonaro expressa claramente a deputados a preferência por Lira. Além disso, o líder do centrão recebe apoio e ajuda de colegas cujos partidos integram o bloco antagônico, como Elmar Nascimento (DEM-BA) e Celso Sabino (PSDB-PA).
A vitória de Lira já era uma questão de honra para Bolsonaro, que deseja impor uma derrota política a Maia. Agora, porém, ganhou importância ainda maior.
Bolsonaro quer evitar que Baleia tenha o poder de decidir sobre a possibilidade de abertura de um processo de impeachment. Há 56 pedidos de impeachment contra Bolsonaro aguardando análise do presidente da Câmara.
O movimento tem ganhado força desde a semana passada, quando, além das siglas de oposição, entidades da sociedade civil encamparam a defesa da saída de Bolsonaro por causa da crise da Covid-19.
Apesar de a campanha legislativa não ter votação popular, Baleia e Lira cumprem agendas típicas de candidatos a cargos majoritários.
No Piauí, por exemplo, Baleia tomou cajuína, bebida típica do Nordeste. No Norte, Arthur Lira fez questão de comer chocolates de castanha e cupuaçu.
Além dos dois favoritos, candidatos avulsos também recebem ligações de infiéis. O deputado federal Fábio Ramalho (MDB-MG), por exemplo, teve sinalizações de apoio de parlamentares de partidos como PT e PSL.
As informações são da Folhapress via JBr