Rede hospitalar da capital do país atende a moradores do DF e também pacientes de outros estados, principalmente da região do Entorno. Especialistas alertam que mudanças no fundo podem impactar reajustes salariais e contratações
A possibilidade de congelamento de parte do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) é um sério risco para a capital do país. O governador Ibaneis Rocha (MDB) e as bancadas do DF no Congresso Nacional e na Câmara Legislativa correm contra o tempo para barrar o dispositivo que congela recursos do fundo, previsto na proposta do arcabouço fiscal aprovada pelos deputados federais e que será votado em breve no Senado Federal. Na prática, as perdas impactam diretamente serviços básicos na área da saúde. Os recursos do fundo são direcionados para custeio e pessoal da rede pública de saúde do DF, isto é, para pagamento dos profissionais e manutenção da infraestrutura. A longo prazo, o congelamento pode afetar novos reajustes, novas contratações e investimentos na área.
Desde que o FCDF foi implementado, em 2003, o percentual da parcela destinada à saúde teve algumas oscilações, mas, entre 2021 e 2023, a fatia do fundo destinada à área cresceu de 27% para 31,1% — veja quadro. Com relação ao aumento do montante destinado à saúde, na comparação com os anos anteriores, entre 2022 e 2023, houve um crescimento recorde de 60%. No orçamento de 2022, a fatia do FCDF destinada à saúde foi de R$ 4.471.492.902. Em 2023, o valor foi de R$ 7.144.401.762. Esse aumento mostra que o fundo é imprescindível para o bom funcionamento dos serviços de saúde no Distrito Federal.
Economista e especialista em contas públicas, Murilo Viana explica que o possível congelamento do fundo pode refletir, a longo prazo, no ritmo lento de elevação de salários de servidores públicos. “Como o Fundo Constitucional representa um percentual bem razoável da arrecadação do GDF, a tendência é que o DF tenha menor capacidade de absorver pressão por aumento de remuneração de servidores públicos, novas contratações e investimento. O investimento público é o primeiro que sofre em um contexto onde há restrição fiscal, porque é onde é mais fácil cortar recursos discricionários. Haverá também uma pressão orçamentária para diminuir o ritmo de elevação de salários e otimização de servidores públicos”, analisa Murilo.
O especialista observa ainda que o aumento da expectativa de vida da população pode demandar uma atenção maior à área da saúde. “É preciso que o GDF esteja atento, pois, nos próximos anos, vai haver um acelerado processo de envelhecimento da população, o que vai demandar um investimento mais robusto na área de saúde e o governo provavelmente vai ter que remanejar recursos, que historicamente eram gastos com outras rubricas e passar a priorizar a saúde”, pontua o economista.
Panorama
Atualmente, a situação do sistema público de saúde do DF é preocupante, com hospitais lotados e poucos servidores para atender a pacientes do DF e de outros estados. Com a redução do FCDF, o cenário pode se agravar. Percorrendo alguns dos hospitais regionais, o Correio conversou com pacientes do DF e do Entorno, que também pressionam a demanda por atendimento na rede da capital. A dona de casa Ônis Rodrigues Monteiro, 43 anos, veio do município de Padre Bernardo (GO) para o Hospital Regional de Brazlândia em busca de uma unidade de tratamento intensivo (UTI). O irmão sofreu uma picada de cobra no último sábado. “Ele foi picado por uma cobra e estava internado em Padre Bernardo, mas de ontem para hoje, a situação se agravou e ele precisou ser internado na UTI”, explica Ônis.
Cleber Batista Duarte, 60, é morador de Águas Lindas (GO) e sofre de uma doença degenerativa ainda não diagnosticada. As dores que sente nas articulações o fez procurar atendimento no Hospital de Base, que o encaminhou para o Hospital Regional de Ceilândia (HRC). “Aqui no HRC, o atendimento é uma porcaria. Estou há duas horas e até agora ninguém foi chamado”, relata Cléber. O pintor também conta que o atendimento na região onde mora é muito precário. Ele precisa passar por um procedimento cirúrgico para tratar um outro problema de insuficiência venosa. “Tentei três vezes e nem sequer consegui marcar a data”, finaliza.
No Hospital Regional de Santa Maria, a moradora do Novo Gama (GO), Ana Carolina Bernardo da Silva, 25, espera por um atendimento para o filho de 1 ano por mais de duas horas. Os pacientes foram informados pelo alto-falante que a pediatria atenderia apenas as crianças com pulseiras amarelas, laranjas e vermelhas. O pequeno David recebeu a pulseira verde, mesmo a mãe relatando que o filho vem sofrendo com episódios de febre, diarreia e tosse. “Estou há três horas aqui, na emergência. Pelo visto, o menino vai ter que piorar de saúde para conseguir uma prioridade no atendimento”, reclama a mãe.
CB