ARTIGO: A Volta da Censura

Projeto de Lei das Fake News avança no Congresso Nacional

O Projeto de Lei n. 2630/2020, também denominado “Lei das Fake News”, está na pauta do Congresso Nacional para esta quinta-feira próxima, 25/06/2020. Existem diversas emendas e, a última, de autoria do Senador Rodrigo Cunha do PSDB/AL, de acordo com o site do Senado Federal, foi apresentada em 22/06/2020. Ainda não se sabe qual o texto final que será enviado à votação

POR: ANAMARIA REYS

Restringi-me, então, a comentar a última emenda. Apesar de mencionar, no título, que o Projeto de Lei “institui a Lei da Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, o texto claramente demonstra que o intuito do legislador é apenas de controlar qualquer conteúdo divulgado na Internet, seja de fundo político ou não, atribuindo a responsabilidade pela divulgação desses conteúdos tidos como indevidos, às plataformas provedoras e também ao usuário final, mesmo que este último tenha apenas divulgado a informação questionada. O artigo 23 do substitutivo ao texto original, destaca:

Art. 23. Constitui crime receber, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, com a finalidade de financiar a propagação de calúnia, injúria, difamação, ameaça ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, orientação sexual ou procedência nacional em plataformas, aplicativos, serviços de mensagens privadas, sítios eletrônicos ou outros meios digitais.
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
§ 1º Incorre, ainda, na mesma pena quem participa de grupo, associação ou qualquer outro ambiente virtual tendo conhecimento de que sua atividade principal é dirigida à propagação de calúnia, injúria, difamação, ameaça ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, orientação sexual ou procedência nacional;

  • 2º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):

I – se há concurso de funcionário público;

II – se há o emprego de bens ou valores públicos;

III – se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade das condutas dispostas no caput.

  • 3° A pena é aumentada no dobro se o crime for praticado para influenciar resultados eleitorais.
  • 4º Não hipótese de condenação o juiz poderá declarar perdidos os bens e valores obtidos a partir da monetização dos conteúdos ilícitos em favor do Fundo de Direitos Difusos e Coletivos.
  • 5º A conduta de receber recursos ou valores a que se refere o caput deste artigo são puníveis quando o representante legal da plataforma, aplicativo ou sítio eletrônico, oficialmente notificado, deixa de suspender a veiculação de anúncios, propaganda ou impulsionamento do conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo. (destaques acrescidos)

Note-se que, a criminalização das condutas, objeto do referido artigo 23 do PL, em nada se coaduna com a liberdade de expressão prevista na Constituição Federal, no art. 5º, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

(…)
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(…)
XXII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de 1996)

(…)
(destaques acrescidos)

O texto constitucional, como se observa, já contém todos os elementos de proteção das pessoas pelo uso indevido da liberdade de expressão, assegurando o direito de resposta, além de indenização, em caso de extrapolação e dano à imagem. Entretanto, sob o argumento da necessidade de regular a Internet, para garantir o uso “seguro, transparente e responsável”, o texto apresentado insinua-se em campos sensíveis, instituindo uma espécie de censura nas comunicações, em qualquer meio digital, inclusive em aplicativos de mensagens privadas.

Afinal, o que é considerado censura? Uma breve consulta na Internet (a mesma Internet que o PL pretende controlar) nos mostra o seguinte: Censura (do latim censūra) é a desaprovação e consequente remoção da circulação pública de informação, visando à proteção dos interesses de um estado, organização ou indivíduo.

[1][2] Ela consiste em toda e qualquer tentativa de suprimir a circulação de informações, opiniões ou expressões artísticas.

[3] O propósito da censura está na manutenção do status quo, evitando alterações de pensamento num determinado grupo social e a consequente disposição de mudança de paradigmas políticos ou de comportamento. Desta forma, a censura é muito comum entre alguns centros de influência, como certos grupos de interesses (lobbies), instituições religiosas e governos, como forma de fazer a manutenção do poder ou constituir hegemonia. A censura procura também evitar que certos conflitos e discussões se estabeleçam na sociedade, pelos mesmos motivos anteriormente expostos (fonte: Wikipedia.org, destaques acrescidos).

A gravidade dessa autorização legal de censura para uma sociedade livre se sobrepõe a qualquer justificativa de regulação, pelo Poder Público, da Internet. Especialmente porque, como é de conhecimento geral, nas últimas eleições, no Brasil, foi exatamente o uso das redes sociais que possibilitou a eleição de um candidato que não tinha o apoio da mídia tradicional. O Projeto de Lei, no texto original, limita a divulgação, em período de propaganda eleitoral, nos aplicativos de mensagens privada, a um usuário ou grupo por vez. Ressalte-se, ainda, que o direito à privacidade é um direito fundamental que o Estado não deve se imiscuir, salvo em situações extremas, ou em caso de indícios de crime de alto potencial ofensivo.

Por fim, merece registro que a Emenda ao Projeto de Lei citada traz autorização para a criação de mais um Conselho Regulador, que será financiado, obviamente, com dinheiro público, em um período que se vislumbra uma iminente crise econômica de grandes proporções, em decorrência do impacto da pandemia do coronavírus.

Sendo assim, a pergunta que se deve fazer é a seguinte: A quem serve a censura da Internet?

*Anamaria Reys Resende é juíza aposentada, advogada e colunista convidada do Portal de Notícias SOS BRASÍLIA

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