A ampliação do monitoramento das transações via Pix, a partir deste mês, pela Receita Federal, gerou repercussão nas redes sociais e provocou reações no Congresso, mesmo durante o recesso legislativo. Dois projetos de decreto legislativo foram apresentados nesta semana para sustar a vigilância do Pix.
A fiscalização foi estabelecida pela Instrução Normativa 2219/2024 da Receita Federal, publicada em setembro. Agora, todas as transferências acima de R$ 5 mil para pessoas físicas e de R$ 15 mil para pessoas jurídicas serão monitoradas para evitar sonegação fiscal.
O deputado Gilson Marques (Novo-SC) argumenta que há “totalitarismo tributário”. “A Receita não pode quebrar o sigilo de todos os brasileiros e submeter a população a um regime de vigilância fiscal”, afirmou.
Além dele, o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) destaca que a regra da Receita permite a coleta indiscriminada de dados financeiros de contribuintes, expondo-os ao risco de vazamentos e violando direitos constitucionais fundamentais, como o sigilo bancário. Ele também protocolou, na segunda-feira (6), um projeto de decreto legislativo com a mesma finalidade.
Com a nova instrução, a Receita Federal passou a receber informações de operadoras de cartão de crédito e instituições de pagamento, como grandes varejistas, bancos virtuais e carteiras digitais. Antes, apenas os bancos tradicionais, públicos e privados, repassavam esses dados à Receita.
O envio dos dados à Receita será semestral, por meio de uma declaração chamada “e-Financeira”. As transações realizadas entre janeiro e julho deste ano, por exemplo, serão enviadas em agosto. As referentes ao segundo semestre, até fevereiro de 2026. Quem não declarar o total de transferências poderá enfrentar problemas com o Fisco.
A repercussão da medida levou a Receita a esclarecer que, no repasse das informações pelas instituições financeiras e administradoras de cartão de crédito, não há “qualquer elemento que permita identificar a origem ou natureza dos gastos efetuados”. Também negou que haverá taxação.
“Por exemplo, quando uma pessoa realiza uma transferência de sua conta para um terceiro, seja enviando um Pix ou fazendo uma operação do tipo DOC ou TED, não se identifica, na e-Financeira, para quem ou a que título esse valor individual foi enviado”, informou a Receita Federal. A operação também não é individualizada e não implica em qualquer aumento de tributação.
Regras ampliam informações sobre informais
Segundo André Felix Ricotta de Oliveira, sócio da Felix Ricotta Advocacia, com a implementação dessas novas regras, a Receita Federal passará a receber informações sobre os valores que trabalhadores informais, como autônomos e freelancers, recebem ao longo do mês, seja por meio de Pix, PayPal ou outras plataformas. Isso permitirá que o Fisco verifique se os valores recebidos foram devidamente declarados pelos contribuintes.
“Para aqueles que recebem mais de R$ 5 mil mensais, a partir de agora, não há mais isenção. Essas pessoas terão que declarar o Imposto de Renda, e o Fisco irá cruzar as informações de movimentação financeira com as declarações”, explica Oliveira.
Layon Lopes, CEO da Silva Lopes Advogados, explica que a nova exigência da Receita Federal não implica na taxação do Pix, mas busca fortalecer a segurança e a transparência nas transações financeiras, visando o combate a fraudes.
Parlamentares argumentam possibilidade de caos tributário com vigilância maior do Pix
Segundo o deputado Gilson Marques, a medida da Receita Federal não se limita a transferências que excedam R$ 5 mil, mas considera o somatório das movimentações financeiras em um único mês. Isso significa que, para fins de arrecadação, serão considerados, além do salário, quaisquer recursos recebidos, como aluguel, pagamento de fornecedores, resgate de aplicações ou venda de bens.
“Se uma aposentada que recebe o salário-mínimo, por exemplo, alugar sua casa pelo AirBnB ou receber um presente do filho e isso superar os R$ 5 mil, ela teria que pagar Imposto de Renda sobre o total movimentado. Se ela não declarar isso, estará sonegando e poderá receber um boleto de cobrança.”
O senador Mecias de Jesus destaca que a regra da Receita permite a coleta indiscriminada de dados financeiros de contribuintes, expondo-os ao risco de vazamentos e violando direitos constitucionais fundamentais, como o sigilo bancário.
“Essa medida extrapola os limites do poder regulamentar e ameaça a privacidade de milhões de brasileiros”, argumentou.
Para ele, a medida pode gerar um caos tributário e afetar principalmente “as pessoas que não têm acesso à informação”.
“Considerando que qualquer pessoa que recebe mais de R$ 5 mil em qualquer mês tem que fazer uma declaração adicional a cada seis meses, é óbvio que uma grande quantidade de pessoas estará nessa situação. Qualquer motorista de Uber, cabeleireiro, pessoas com profissões simples ou em início de carreira. Não haverá contadores suficientes para atender a essa demanda”, diz.
Receita está fazendo “grande diligência” com vigilância do Pix
Marques ressalta que a medida possibilitará a abertura de novos processos de fiscalização contra todos os contribuintes, não apenas os que têm movimentações suspeitas.
“Ou a Receita vai processar todas essas pessoas, criando uma situação de sufocamento da população e prejudicando profissões, ou fará uma fiscalização ‘seletiva'”, diz. “Neste caso, eles vão selecionar pessoas que desejam identificar.”
Para o economista Fernando Ulrich, da Liberta Investimentos, a vigilância do Pix reforça uma das principais marcas da atual administração de “grande diligência” para monitorar, fiscalizar e tributar o cidadão.
“Mas não há quase nenhum esforço quando se olha para o lado da despesa pública, do gasto ou do desperdício do dinheiro do cidadão. É quase todo esforço focado em arrecadar mais e monitorar tudo que cada um está fazendo.”
Ulrich questiona a legalidade desse tipo de intrusão normativa da Receita Federal. “Uma consequência dessa coleta enorme de informações pela Receita é que cidadãos ficam vulneráveis a ataques hackers ou acessos não autorizados de dados sigilosos por criminosos”, destaca.
“A Receita vem acumulando uma quantidade cada vez maior de informações e concentrando esses dados na sua base, num verdadeiro ‘mapa do tesouro'”, afirma.
Para ele, a evolução desses sistemas, além do risco de violação da privacidade financeira, é o aumento exponencial do controle do dinheiro pelo próprio Banco Central. “Quanto mais avançamos nesse ambiente de crescente vigilância e monitoramento, caminhamos para um sistema muito mais prejudicial e perigoso de controle”, afirma.
“O Pix é uma forma de transferir saldos, mas o controle e posse do saldo ainda está numa empresa privada, numa instituição de pagamento, numa instituição financeira, não está com o BC. Mas se migrarmos futuramente para uma moeda digital de banco central de varejo, em que cada cidadão tem sua conta diretamente no BC, aí é o controle absoluto. É preciso vigilância para se proteger dos tentáculos deste Leviatã financeiro.”
Gazeta do Povo