Instrumentalização eleitoral da pauta de defesa da mulher em favor da candidatura de Boulos reforça o caráter oportunista de quem não convence mais como arauto da virtude
Um grupo de apoiadoras da candidatura de Guilherme Boulos (PSOL-SP) à Prefeitura de São Paulo se reuniu para gravar um vídeo contra o prefeito Ricardo Nunes (MDB). A “carta aberta às mulheres de São Paulo” questiona: “Como você se sentiria se você terminasse com um homem e ele mandasse mensagens ameaçadoras diariamente?”.
Apresentadoras, influenciadoras e políticas, como as deputadas federais Érika Hilton (PSOL-SP, à direita na foto) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP, ao centro na foto), chamam atenção para o boletim de ocorrência feito pela mulher do prefeito de São Paulo há 13 anos.
“Você confiaria em um homem que se comporta assim?”, questionam as apoiadoras de Boulos, descrevendo as reclamações de Regina Carnovale Nunes.
“A sua vida e de outras 6 milhões de mulheres pode estar na mão dele pelos próximos quatro anos”, alertam as participantes do video, entre elas a primeira-dama Janja da Silva (à esquerda na foto). Elas tomam o cuidado de dizer que “se Ricardo e Regina consertaram o seu casamento, isso é uma questão deles”, mas apenas para alarmar as eleitoras paulistanas:
“Os atos de violência psicológica descritos no B.O. podem afetar todas nós”.
Vão “virar” quantos votos?
“Nós estaremos seguras nas mãos de um homem com esse histórico sendo prefeito de São Paulo?”, questiona Sâmia. “Neste domingo, nós mulheres temos a oportunidade de votar em quem valoriza nossas vidas, em quem caminha ao nosso lado pelo fim da violência contra as mulheres”, finaliza Janja.
Ao gravar e divulgar o vídeo, as apoiadoras de Boulos ignoraram o pedido de Regina para deixar sua família em paz, feito à deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) durante debate no qual a candidata derrotada no primeiro turno questionou Nunes sobre o mesmo B.O. Mas a vontade da mulher do prefeito é um detalhe neste momento de desespero para “virar votos” para Boulos.
A reportagem de capa de Crusoé nesta semana detalhou as razões para a derrocada eleitoral da esquerda nesta eleição municipal, como a defasagem de suas pautas trabalhistas e a perda de força da agenda identitária. O vídeo protagonizado por Janja evidencia outra parte dessa história: o oportunismo político desgastou praticamente todas as pautas da esquerda.
Seu discurso vale muito pouco, porque foi vulgarizado por iniciativas como essa, junto com expressões como “fascismo” e “extrema-direita”, jogadas ao vento a cada eleição. O monopólio da virtude se foi junto com os votos.
“Por que vocês se calaram?”
O vídeo contra Nunes, postado nos perfis de Instagram de Janja e de Natalia Szermeta, mulher de Boulos, está recheado de comentários como este na caixa de comentários: “Por que vocês se calaram quando houve denúncia de agressão do filho de Lula na esposa dele?”.
Natália Schincariol registrou um boletim de ocorrência em abril, relatando que, durante uma discussão ocorrida em janeiro, Luís Cláudio Lula da Silva a agrediu com uma cotovelada. Ela também alegou ter sido vítima de agressões verbais, morais e psicológicas ao longo do relacionamento.
A Polícia Civil finalizou em julho o inquérito sobre as alegações. De acordo com o relatório policial, não foram encontradas evidências suficientes para indiciar Luís Cláudio por lesão corporal ou violência psicológica.
E Silvio Almeida?
Impossível não lembrar, também, do ex-ministro de Direitos Humanos Silvio Almeida, que foi forçado a deixar o posto após uma série de denúncias sobre importunação sexual, feitas dois anos depois de seu comportamento ter começado a incomodar a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, segundo relato da própria à Polícia Federal.
Se não bastasse, o vice-presidente do PT no Distrito Federal, Wilmar Lacerda, foi preso pela Polícia Civil na quinta-feira, 25, acusado de crime de violência sexual contra duas adolescentes, uma de 13 e outra de 17 anos.
É claro que nenhuma dessas mulheres que hoje apontam o dedo para Nunes têm qualquer obrigação de se manifestar sobre o filho de Lula, Almeida ou Lacerda, mas é óbvio também que, ao utilizar uma pauta como a defesa das mulheres de forma tão oportunista, elas não apenas banalizam a questão como reforçam a impressão de que essa conversa não passa de munição contra adversários.