A repercussão negativa do pacote fiscal que tinha como carro-chefe o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi tanta, com ameaças de derrubada do decreto pelo Congresso Nacional, que o ministro Fernando Haddad teve de recuar da ideia lançada em maio e propor uma alternativa para conseguir fechar as contas. Após horas e horas de reunião entre Haddad, os presidentes da Câmara e do Senado, líderes partidários e a ministra Gleisi Hoffmann, em pleno domingo, o resultado apresentado foi a proverbial substituição do seis por meia-dúzia: o governo abre mão de elevar alguns impostos para subir outros. Quanto ao tão necessário corte de gastos, esse deve ficar para o famoso “segundo momento” – isso se não ficar para momento nenhum.
A proposta do governo é deixar de lado algumas das elevações do IOF – mas não todas. Para compensar os estimados R$ 14 bilhões que este recuo deve “custar” ao governo (pois melhor seria falar em dinheiro que continuará nas mãos do contribuinte), pretende-se aumentar a tributação sobre as bets; cobrar 5% de Imposto de Renda das Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA), investimentos hoje isentos; unificar a alíquota de IR sobre aplicações financeiras em 17,5%, acabando com o escalonamento de acordo com o tempo em que o dinheiro fica investido; subir para 20% o IR sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP); e aumentar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das fintechs. Além disso, o governo tentará, por meio de PEC, reduzir benefícios fiscais, embora Haddad não tenha detalhado quais deles – sabe-se apenas que algumas “vacas sagradas”, como a Zona Franca de Manaus, seguirão intocadas. Por fim, possíveis reduções em gastos ainda terão de ser discutidas com líderes e suas bancadas.
“O governo não sabe o que fazer para cobrir o rombo e vai atirando para todos os lados até encontrar uma ideia que não seja tão rejeitada”
Essas idas e vindas são o sinal inequívoco de que o governo não sabe o que fazer e vai atirando para todos os lados até encontrar uma ideia que não seja tão rejeitada. Falando a jornalistas após a reunião de domingo, Haddad disse até que a proposta de “recalibrar o decreto do IOF” faria “com que a sua dimensão regulatória seja o foco da nova versão” – deixando implícito que a ideia anterior havia realmente subvertido a natureza desse imposto, que já é regulatório, e não arrecadatório. E o novo pacote também já nasce sob fortes críticas, especialmente dos setores agropecuário e imobiliário, que serão afetados com o desestímulo ao investimento em LCA e LCI, ainda que o IR cobrado seja inferior ao de outras aplicações. E, ainda que possa ser razoável acabar com alguns benefícios fiscais, é arriscado apostar no apoio de três quintos dos congressistas a uma medida como essa.
Em qualquer caso, a previsibilidade – um patrimônio de qualquer governo que se disponha a atrair investimentos – sai arranhada. Um investidor que olha para um país onde a tributação muda a todo momento, sem lógica nenhuma exceto a de tapar rombos criados pelo governo, não tem estímulo algum para aplicar seu dinheiro e, tendo a oportunidade, procurará alternativas mais seguras que o Brasil, até mesmo com rentabilidades menores, para não ser surpreendido a cada novo pacote anunciado por Haddad. Isso vale tanto para a tributação em si quanto para seus efeitos, que o governo parece ignorar a cada tentativa de elevar impostos – o agronegócio, por exemplo, já aponta o risco de encarecimento do crédito para o campo, com possíveis consequências no preço dos alimentos.
No fim de maio, Haddad disse a jornalistas que “nós ficaríamos em um patamar bastante delicado do ponto de vista do funcionamento da máquina pública e do Estado brasileiro” se o Congresso derrubasse o aumento do IOF. Faltou dizer que esse “patamar bastante delicado” foi criado pelo próprio governo, com sua disposição de gastar ainda mais quando o momento pede contenção de despesas. Esta disposição agrava mazelas mais antigas, como o engessamento do Orçamento da União e a voracidade cada vez maior do Legislativo sobre o dinheiro do contribuinte, com o aumento constante da fatia dedicada às emendas parlamentares. Quando, em vez de atacar esses problemas estruturais, o governo de ocasião os agrava com sua irresponsabilidade, este é o resultado: contas em frangalhos, queda da nota brasileira e desestímulo ao investimento.
Gazeta do Povo