Uma eventual decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declare a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet pode gerar até 754 mil novas ações judiciais e causar impacto de R$ 777 milhões ao Judiciário nos próximos cinco anos, segundo estudo do think tank Reglab, ligado ao escritório Baptista Luz Advogados.
A Corte retoma o julgamento nesta quarta-feira (4), ao analisar duas ações que tratam da responsabilização de plataformas digitais por conteúdos de terceiros. O artigo 19 atual exige ordem judicial para obrigar a remoção, com exceção de casos como violação de direito autoral e divulgação de fotos íntimas.
Se o STF adotar o modelo de responsabilidade objetiva — no qual as plataformas respondem mesmo sem notificação ou decisão judicial —, haverá aumento expressivo de judicialização, moderação de conteúdo e necessidade de recursos humanos, aponta o relatório. O impacto estimado não inclui custos indiretos, como despesas administrativas, honorários e encargos das empresas.
“Esse cenário pode promover um aumento de custo de até R$ 777 milhões para o sistema de Justiça”, afirma Pedro Ramos, diretor do Reglab. O centro utilizou modelos estatísticos e técnicas de controle sintético para simular o que teria ocorrido sem o Marco Civil, com dados do Conselho Nacional de Justiça e da Justiça Federal.
Os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso já votaram pela ampliação da responsabilização das plataformas. Barroso, no entanto, defende a manutenção da ordem judicial apenas nos casos de crimes contra a honra, como calúnia, injúria e difamação. O ministro André Mendonça, que pediu vista em dezembro, deve apresentar nesta quarta um voto extenso e divergente, defendendo a regra atual.
Segundo interlocutores da Corte, Mendonça considera que apenas conteúdos ilegais específicos devem ser removidos por ordem judicial e é contra o bloqueio de perfis inteiros, medida já usada pelo ministro Alexandre de Moraes, alvo recente de críticas nos Estados Unidos por decisões contra redes sociais.
O estudo do Reglab apresenta quatro cenários. No mais grave, com responsabilidade objetiva ampla, estima-se 754 mil ações e gasto de R$ 777 milhões. Com critérios moderadores, como tentativa prévia de resolução extrajudicial, a projeção cai para 584 mil ações e R$ 604 milhões.
Nos dois cenários que mantêm a responsabilidade subjetiva, as estimativas vão de 158 mil ações e R$ 165 milhões a 243 mil processos e R$ 251 milhões, dependendo do ritmo de crescimento e da flexibilização de regras como o dano moral presumido.
“Essas ações envolvem maior complexidade técnica, perícia e tempo de análise, o que sobrecarrega a máquina judiciária”, diz Ramos. Ele lembra que modelos modernos, como o Digital Services Act da União Europeia, mantêm a responsabilidade subjetiva, ao contrário do regime defendido por Toffoli.
Como medidas alternativas, o estudo propõe: limitar o uso do *notice and takedown* a hipóteses objetivas; exigir tentativa de solução extrajudicial antes da ação; proibir o reconhecimento automático de dano moral; e reforçar a transparência das plataformas, com relatórios e protocolos, especialmente em períodos eleitorais.
O julgamento ocorre em paralelo à articulação do governo Lula por uma nova legislação para redes sociais, que pretende ampliar o controle sobre conteúdo online com foco em proteção de menores e combate à desinformação.
Blog do Cláudio Dantas