O Estadão publicou neste sábado (12) um editorial intitulado “Bolsonaro atrapalha o Brasil”. Tudo bem, é a opinião deles. Mas será que Bolsonaro, ou melhor, o silêncio de Bolsonaro diante da guerra comercial entre EUA e China e a articulação do ex-presidente em torno da anistia aos presos do 8 de janeiro são o que de fato atrapalha o Brasil? Foi assim que, sacrificando meu estilo para manter o estilo e a linha de raciocínio do concorrente, escrevi o seguinte:
Alexandre de Moraes – aquele que é, segundo seus bajuladores, o “grande defensor da democracia no Brasil”, xerife de um STF transformado em partido político – não tem nada a dizer sobre a profunda crise nacional deflagrada por ele mesmo, depois de atropelar o devido processo legal e dar uma banana para as garantias constitucionais.
Nada. Para Alexandre de Moraes, o único assunto é a tal da “defesa da democracia” – e, por extensão, a criação de um Estado excepcionalíssimo de direito, no qual vigem a censura e a perseguição a bolsonaristas. Enquanto o país derrete em meio à insuportável polarização criada por Lula, aliás protegido de Alexandre de Moraes, o ministro mobiliza forças políticas para encontrar meios de impedir a anistia a um bando delirante revoltado com a eleição de Lula, para a qual o mesmo Alexandre de Moraes, à frente do TSE, deu uma bela de uma força.
Promotor ambicioso e com cabelos
Admita-se que talvez seja melhor mesmo que Alexandre de Moraes não dê palpite e se manifeste apenas nos autos, como se espera de um juiz da instância máxima do Judiciário ao qual é vedada a atividade político-partidária. Recorde-se que, sempre que abre a boca, como fez recentemente para a revista New Yorker, Alexandre de Moraes só é capaz de exaltar o próprio Alexandre de Moraes.
Mas o ministro do STF poderia, neste momento de indignação e descrédito total num Judiciário disposto a conceder prisão domiciliar humanitária ao mandante do assassinato de Marielle Franco e ao mesmo tempo manter preso o ex-deputado Daniel Silveira por ter ido ao hospital tratar de pedra nos rins, ao menos demonstrar interesse na pacificação do país. No entanto, como sabemos todos os que acompanhamos sua trajetória política e jurídica desde que era um promotor ambicioso com cabelos, nenhuma atitude remotamente virtuosa é do interesse de Alexandre de Moraes.
Incontornáveis?
Mas a pacificação e o restabelecimento de uma democracia digna do nome deveriam ser prioridade de Alexandre de Moraes e de todos os outros ministros do STF. A manutenção da prisão ilegal de vândalos septuagenários não deveria nem sequer ser discutida por gente séria frente não só às turbulências nacionais do momento, mas a problemas brasileiros incontornáveis [incontornáveis, Estadão? sério?!] que afligem de fato a população – como a inflação, a violência, a saúde pública, os desafios educacionais, a corrupção endêmica e até a decadência da Seleção Brasileira.
Infelizmente, num cenário em que a única preocupação dos políticos é não cair nas garras do STF, Alexandre de Moraes está com tudo e não abre. Ele parece intuir que o poder absoluto que exerce por meio da força e sem qualquer legitimidade popular basta para submeter as poucas vozes dissonantes a seu julgo sádico, e é por isso que Alexandre de Moraes dobrou, quadriplicou, octoplicou a aposta, deixando-se fotografar embriagado de si mesmo, reafirmando-se como defensor de uma versão muito particular de democracia, agindo como vítima, promotor, testemunha, carcereiro e o que mais lhe der na telha – apesar de ser apenas um juiz – e perseguindo qualquer um que aponte a indignidade de sua cruzada autoritária.
Piada de mau gosto
Alexandre de Moraes está a todo vapor: além de usar jornalistas para mandar recadinhos aos parlamentares que tentam aprovar a anistia aos presos do 8 de janeiro, reúne-se como frequência com o presidente da República, com os presidentes da Câmara e do Senado e com seus confrades de STF, para que eles saibam e jamais se esqueçam de quem é que manda nesta joça.
A estratégia parece estar dando certo, apesar de a oposição conseguir colher as assinaturas necessárias para que a anistia tramite em regime de urgência e apesar de a causa contar até com o apoio contido de umas raras lideranças de esquerda. Como demonstra não se preocupar nem um pouco com mulheres, idosos e doentes que insiste em acusar e condenar por “tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito”, Alexandre de Moraes achou por bem usar uma publicação esquerdista estadunidense (sic) para fazer bravata e soltar comparações esdrúxulas mais condizentes com uma reunião de DCE. À revista, por exemplo, ele disse que “se Goebbels tivesse acesso ao X, o nazismo teria dominado o mundo” – obviamente uma piada de mau gosto.
Patranhas
Já que a maioria dos brasileiros é contra o atropelo da Constituição e do devido processo legal, contra a prisão de cabeleireiras, sorveteiros e pipoqueiros que de golpistas talvez tenham apenas o delírio ignorante, e contra o abuso de autoridade, as patranhas do ministro do STF seriam apenas idiossincrasias jurídicas cheias de latinórios e mesóclises cafonas caso se resumissem a ele e aos outros ministros da Corte.
Mas é perturbador observar que várias das principais autoridades, jornalistas e artistas do Brasil estão prestando mesura a Alexandre de Moraes e seu inegável pendor ditatorial. Lula, por exemplo, sempre encontra tempo em sua decerto atarefada rotina para jantar com Alexandre de Moraes e outros ministros do STF quando instado a demonstrar lealdade àqueles que receberam a missão (e a cumpriram), como se isso fosse papel de presidente.
O país vai piorar – e muito
Não é. Se Alexandre de Moraes continuar passando por cima da lei com a desculpa esfarrapada de estar defendendo a democracia, o país vai piorar – e muito. E se as forças políticas do Brasil não se mobilizarem rapidamente para enfrentar o Judiciário ultrapoderoso e com inegável pendor totalitário, aí, sim, os brasileiros sofreremos todos. Está na hora de Alexandre de Moraes se pôr no seu lugar e, se for o caso, se fartar no banquete das consequências.
Conversando, podemos até chegar mesmo à conclusão de que Bolsonaro atrapalha o Brasil. Mas Alexandre de Moraes atrapalha muito mais.
Por Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo
Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.