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Quem perdeu não foi o “mané”, foi o ministro Barroso

Ele errou feio em Nova York. Não basta que juízes sejam equilibrados nos seus votos — eles também precisam parecer equilibrados em público

O ministro Luís Roberto Barroso tem o meu respeito pessoal e intelectual. Já o elogiei algumas vezes. Ele é um homem bem-educado e culto. Escreve magnificamente claro. Dos atuais ministros do STF, é o que deve contar com a única biblioteca interessante, para muito além dos livros jurídicos. Não concordo com todos os seus votos, mas neles reconheço sólidos fundamentos, excelente raciocínio e ótima retórica. Nos julgamentos a que assisti pela TV Justiça, as suas raras exaltações são marcantes, porque, entre as estrelas do tribunal, é dele que menos se espera uma palavra fora do lugar.

Costumo relativizar as exaltações de Luís Roberto Barroso, porque entrevejo nelas uma qualidade de Charles Swann, personagem de Marcel Proust. O escritor francês descreveu assim o efeito da linguagem utilizada por seu protagonista em certos momentos: “Há autores originais cuja menor ousadia causa revolta, porque não agradaram ao gosto do público e não lhe serviram os lugares-comuns a que estão acostumados”. É isto: as exaltações do ministro são ousadias de um autor original.

Por ter respeito por Luís Roberto Barroso, é que tomo a liberdade de dizer que ele errou feio ao reagir a um bolsonarista que o provocou em Nova York, com a historieta de que a eleição presidencial foi fraudada. Irritado com o assédio na rua, ele virou-se para o sujeito que o filmava e disparou: “Perdeu, mané, não amola”. Como era de se esperar, a fala foi parar nas redes sociais e serviu para que batessem na tecla de que ele atua com viés político e favoreceu Lula quando presidia o TSE. Na verdade, o desafeto dos bolsonaristas sofreu ataques inadmissíveis ao defender a segurança das urnas eletrônicas, enquanto dirigia os trabalhos na Justiça Eleitoral.

O ministro perdeu a paciência, assim como eu e você a perdemos de vez em quando. Mas nem eu ou você somos juízes. Juízes, em especial de tribunais superiores, não podem manifestar-se com ira. A ira é uma “loucura breve” à qual eles simplesmente não têm direito, a não ser entre as quatro paredes da sua própria casa. Não basta que juízes sejam equilibrados nos seus votos — eles também precisam parecer equilibrados em público. Equilíbrio é atributo fundamental de um magistrado, cujo papel é dar fim a situações conflituosas, sem implicar-se nelas.

Ao reagir à provocação, e com frase de bandido que rende a sua vítima, ousadia nada original, quem perdeu não foi o “mané”, foi o ministro. Luís Roberto Barroso deixou de lado a temperança e encorpou o discurso golpista. Ofendeu de forma involuntária, ainda, os 58 milhões de brasileiros que votaram em Jair Bolsonaro (entre os quais não me incluo, só para constar), a maior parte deles composta por gente honrada, embora se tente desqualificá-la. Depois de qualquer eleição, todos os cidadãos, seja os que votaram no candidato ganhador como no perdedor, precisam ser tratados com respeito, principalmente por quem tem o salário pago com os impostos que eles pagam.

O “perdeu, mané” de Luís Roberto Barroso teve outra consequência indesejável: virou bordão de lulistas na briga com bolsonaristas, caso do senador Randolfe Rodrigues, em cena lamentável no aeroporto do Cairo, na qual a única ideologia foi a falta de compostura. O bordão mantém viva a divisão beligerante que deveria ser enterrada.

Li que Luís Roberto Barroso disse a colegas do STF que se arrependeu de ter respondido com o “perdeu, mané”. Eu não esperaria outra coisa dele. Minha crítica não esmaece a minha admiração e o meu respeito pelo ministro.

Por Mario Sabino

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