A sanção aplicada pelos Estados Unidos ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes pela Lei Global Magnitsky pode ser apenas a primeira de uma série de medidas contra autoridades brasileiras acusadas de violações de direitos humanos. Especialistas e parlamentares avaliam que o governo americano está adotando uma estratégia de sinalização gradual e testando a reação das instituições brasileiras e americanas antes de escalar as punições.
Segundo o advogado e professor livre-docente da USP Cristiano Carvalho, “é altamente provável que outros ministros do STF, identificados como o grupo mais próximo a Moraes no sentido de apoiarem as suas decisões, venham a ser sancionados”, assim como o procurador-geral da República Paulo Gonet e outras autoridades apontadas como responsáveis por perseguições políticas e censura.
Os próximos nomes que podem ser alvo da Lei Magnitsky incluem os ministros do STF que já tiveram os vistos suspensos pelos Estados Unidos: Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Edson Fachin, Flávio Dino, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Podem ficar fora dessa lista, ao menos por ora, os ministros André Mendonça, Nunes Marques – ambos indicados por Jair Bolsonaro – e Luiz Fux, que não tiveram seus vistos cancelados.
Além deles, os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), também estão sob risco, caso não avancem em medidas como a anistia a Bolsonaro e a reversão do que o governo americano considera perseguições políticas, segundo analistas. Há ainda a possibilidade de que familiares e associados próximos – como parentes e sócios – também podem ser atingidos por ações secundárias se ajudarem os sancionados a ocultar bens ou violar restrições.
A sanção a Moraes foi anunciada pelo Departamento do Tesouro dos EUA, nesta quarta-feira (30). A Lei Magnitsky pune indivíduos envolvidos em corrupção e graves violações de direitos humanos. A sanção prevê o bloqueio de bens e propriedades do ministro nos Estados Unidos e proíbe os cidadãos americanos de realizar qualquer transação com os atingidos pela medida por tempo indeterminado. Moraes não poderá, inclusive, utilizar cartões de crédito de bandeira americana, o que também atinge transações no Brasil.
No comunicado oficial emitido sobre o caso de Moraes, o governo americano reforçou que as medidas podem ter efeitos mais amplos. “Além disso, instituições financeiras e outras pessoas podem correr o risco de serem expostas a sanções por se envolverem em determinadas transações ou atividades envolvendo pessoas designadas ou bloqueadas”, diz o documento.
O secretário de Estado americano Marco Rubio, disse que mais autoridades brasileiras podem ser sancionadas. “Que este seja um aviso para aqueles que atropelam os direitos fundamentais de seus compatriotas — as togas judiciais não podem protegê-los”, disse Rubio em publicação no X. A sinalização foi reforçada por Darren Beattie, Subsecretário de Estado para a Diplomacia Pública e Assuntos Públicos dos Estados Unidos. “Aqueles que foram cúmplices das violações de direitos humanos de Moraes devem tomar nota”, escreveu Beattie, também em publicação no X ao replicar a fala de Rubio.
Cristiano Carvalho ressalta que essa cláusula funciona como um alerta às instituições brasileiras. “Isso aumenta a pressão sobre bancos e empresas, que podem ser afetados caso mantenham relações com pessoas ou entidades sancionadas. É uma forma de isolar os alvos e aumentar o custo político e econômico do apoio a eles”, disse o advogado à reportagem.
Para analistas, demais ministros do STF, presidentes da Câmara e do Senado estão na mira
Apesar de ter afetado diretamente o ministro Moraes neste primeiro momento, a possibilidade de serem aplicadas novas medidas não pode ser descartada, especialmente se houver escalada política ou novas tensões.
O cientista político e professor do IBMEC-BH Adriano Cerqueira disse à Gazeta do Povo que vê grande probabilidade de novas sanções. Ele lembra que a suspensão de vistos aplicada recentemente atingiu a maioria dos ministros do STF, com exceção dos dois indicados por Bolsonaro, André Mendonça e Nunes Marques, e do ministro Luiz Fux. “Tudo aquilo que foi, de certo modo, anunciado por Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo, tem acontecido. Quem pode ainda ser sancionado com a Magnitsky são justamente os demais ministros do STF que já sofreram a sanção do visto. Eles estão na mira”, afirma.
Em publicação nas redes sociais, feita após o anúncio das sanções contra Moraes, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) reforçou a possibilidade de as sanções afetarem outras autoridades brasileiras. “A lei permite explicitamente sanções contra qualquer pessoa que tenha ‘auxiliado materialmente, patrocinado ou fornecido apoio financeiro, material ou tecnológico para tais atos’. Temos certeza de que os Estados Unidos monitorarão de perto as respostas públicas, institucionais – e até privadas – de todas as autoridades brasileiras. O custo de apoiar Alexandre de Moraes, seja por omissão, cumplicidade ou conveniência, será insuportável” disse o deputado que está vivendo nos Estados Unidos desde março.
Nesse cenário, Cerqueira aponta ainda que as sanções podem atingir os presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP). “Eles podem sim ser sancionados caso não tomem medidas concretas, como avançar a pauta da anistia e a restauração dos direitos políticos e civis de Bolsonaro. No meio político, esses dois nomes correm sério risco, pois são vistos pelos Estados Unidos como autoridades com poder para corrigir o que a administração Trump entende ser perseguição política contra a oposição”, avalia.
O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) afirmou que as sanções podem atingir um círculo ainda maior de pessoas ligadas a Moraes. “É importante dizer que não só Alexandre de Moraes, mas também familiares e associados dele — parentes próximos e sócios — podem ser alvo de ações secundárias a partir deste momento em particular, se ajudarem ele a ocultar bens ou a violar restrições”, afirmou.
Sanções contra Moraes fazem parte de uma estratégia de pressão gradual, avaliam analistas
Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que as sanções impostas a Alexandre de Moraes não são um ato isolado, mas parte de uma estratégia bem calculada de pressão dos Estados Unidos sobre autoridades brasileiras. Para os analistas, a inclusão de Moraes como único alvo da Lei Magnitsky, até agora, é um movimento deliberado para enviar um recado claro a outros integrantes do STF e outras autoridades brasileiras.
“É um jogo sequencial de sinalização. Primeiro veio a Carta do Tarifaço, depois a suspensão de vistos para a maioria dos ministros e familiares e, agora, as sanções individuais a Moraes. O governo americano está testando o comportamento do grupo. Se houver mais alinhamento a Moraes, novas sanções podem ser aplicadas; se houver recuo, podem optar por não escalar”, explica Cristiano Carvalho.
Para Cerqueira, a possibilidade de encerrar o ciclo de sanções depende de mudanças de postura no Brasil. “A questão da censura nas redes sociais e as perseguições políticas contra a oposição, especialmente contra Jair Bolsonaro e centenas de pessoas já punidas, estão no centro da preocupação americana. Se isso não for enfrentado internamente, haverá espaço para a escalada de medidas”, conclui.
O professor e doutor em Ciência Política Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec, reforça que a intenção de incluir neste momento somente o nome de Alexandre de Moraes como alvo das sanções é uma sinalização aos demais envolvidos. “O recado é: se não recuar, e não atuar dentro das quatro linhas da Constituição, vamos ampliar e vocês vão passar pelo mesmo processo. Terá Lei Magnitsky sobre vocês também”, avaliou Gianturco.
No mesmo sentido, a avaliação do doutor em Ciência Política, Paulo Kramer, é de que o governo americano vai observar antes de tomar a decisão de incluir (ou não) novos atores políticos brasileiros na Lei Magnitsky. Para ele, as análises devem passar por exemplo, pela verificação de quem se solidariza com Moraes e em que termos.
Gazeta do Povo