O presidente do Peru, Pedro Castillo, foi detido e destituído pelo Congresso nesta quarta-feira (07/12) após anunciar a dissolução da Casa e o estabelecimento de um “governo de exceção”.
Tudo aconteceu depois que Castillo fez o anúncio inesperado — que foi descrito como um “golpe de estado” por representantes de todo o espectro político — poucas horas antes de uma sessão do Congresso em que seria votada uma moção de vacância, algo similar a um impeachment, contra ele.
Após o anúncio, o Congresso acabou aprovando com 101 votos a vacância da Presidência, ou seja, a destituição de Castillo. O argumento do Parlamento, que é unicameral, foi a “permanente incapacidade moral” dele para exercer a Presidência.
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Até então vice-presidente, Dina Boluarte assumiu a presidência perante os parlamentares.
Foi a terceira vez que o Congresso votou a destituição de Castillo, mas desta vez a votação superou os 87 votos necessários, que não tinham sido alcançados nas sessões anteriores.
Segundo a mídia local, após a sua destituição, Castillo compareceu à delegacia de polícia de Lima, onde foi preso.
A Polícia Nacional do Peru anunciou em um tuíte, excluído posteriormente, que “em cumprimento de nossas faculdades e atribuições descritas no artigo 5 do DL nº 1267 da Lei de Polícia Nacional do Peru, as tropas do PNP intervêm junto ao ex-presidente Pedro Castillo”.
O analista Alfredo Torres, do instituto Ipsos Peru, afirmou que “fracassou a tentativa de golpe de Estado por parte de Castillo e ganhou a democracia. Todas as instituições rejeitaram o golpe, incluindo a Justiça, o Ministério Público e o Tribunal Constitucional e as Forças Armadas e a Polícia Nacional”.
“O golpe de Castillo foi uma manobra desesperada para tentar conservar o poder porque existem várias denúncias, com depoimentos, de corrupção contra ele”, disse Alfredo Torres, da Ipsos, de Lima.
Pronunciamento à nação
Algumas horas antes, de terno e gravata, com a faixa presidencial e sem o chapéu que o caracterizou durante sua campanha presidencial, Castillo assegurou, em mensagem à nação, que sua decisão de dissolver o Congresso foi uma resposta ao “obstáculo” imposto pelo Poder Legislativo ao seu governo.
“Em resposta à reivindicação cidadã em todo o país, tomamos a decisão de estabelecer um governo de emergência visando a instauração do Estado de direito e da democracia”, afirmou, antes de anunciar as medidas que a sua decisão implicava.
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Eram elas:
- Dissolução temporária do Congresso;
- Convocação para eleições de um Congresso Constituinte;
- Governo baseado em decretos-lei até que haja uma nova Constituição;
- Toque de recolher em todo o país das 22h às 04h a partir de 7 de dezembro;
- Reorganização do Judiciário e demais órgãos judiciais;
- Confisco de armas em posse ilegal de civis.
“O modelo econômico baseado em uma economia social de mercado será escrupulosamente respeitado”, afirmou o presidente. “A propriedade privada será respeitada e garantida.”
Os portais peruanos de notícias também qualificaram o gesto de Castillo como um golpe de Estado. “Golpe de Estado: Pedro Castillo anuncia fechamento do Congresso”, publicou o El Comercio, de Lima, crítico da gestão presidencial. Na mesma linha, o La República publicou: “Pedro Castillo dá golpe de Estado”.
Castillo assumiu a Presidência em julho de 2021. Desde então, enfrentou diversas acusações de corrupção e foi obrigado a substituir seus ministros em diversas ocasiões.
Após o anúncio do presidente, anunciaram renúncia os ministros da Economia, Justiça, Trabalho e Relações Exteriores, bem como o embaixador do Peru nas Nações Unidas. O advogado de Castillo também anunciou que estava renunciando ao cargo de representante de seu cliente.
Pouco depois, as Forças Armadas e a Polícia Nacional emitiram um comunicado conjunto no qual anunciaram: “Qualquer ato contrário à ordem constitucional estabelecida constitui uma violação da Constituição e gera descumprimento por parte das Forças Armadas e da Polícia Nacional do Peru”.
A Corte Constitucional, entre outras instituições, qualificou o governo Castillo como “usurpador”.
Reação americana
Após o anúncio, os Estados Unidos também enviaram uma mensagem instando a reversão da medida de fechamento do Congresso.
A embaixadora americana no Peru, Lisa Kenna, escreveu em sua conta oficial do Twitter que os “EUA rejeitam categoricamente qualquer ato extraconstitucional do presidente (Pedro) Castillo para impedir o Congresso de cumprir seu mandato”.
Kenna escreveu ainda que os “EUA instam veementemente o presidente Castillo a reverter sua tentativa de fechar o Congresso e permitir que as instituições democráticas do Peru funcionem de acordo com a Constituição. Encorajamos o público peruano a manter a calma durante este período de incerteza”.
O governo argentino também reagiu. O Ministério das Relações Exteriores da Argentina divulgou em suas redes sociais que “lamenta e expressa profunda preocupação com a crise política que enfrenta a irmã República do Peru e pede a todos os atores políticos e sociais que resguardem as instituições democráticas, o Estado de Direito e a ordem constitucional”.
Legisladores da oposição se recusaram a deixar o Congresso após anúncio do presidente
Quem é Pedro Castillo?
Professor primário rural de 51 anos, Castillo foi eleito em 2021 após uma eleição acirrada contra a candidata de direita e herdeira do ex-presidente Alberto Fujimori, Keiko Fujimori.
O pleito foi tão acirrado que demorou mais de um mês para que Castillo fosse proclamado vencedor — Fujimori acusou a eleição de fraudulenta e abriu uma batalha judicial.
Castillo é um ex-rondero (membro das rondas camponesas, organizações de defesa comunais), professor primário rural desde 1995 — com mestrado em psicologia educacional— e importante dirigente docente.
Nascido em Cajamarca, região serrana do norte do Peru, ele ganhou notoriedade em 2017 ao liderar uma greve de professores em várias regiões do país que durou 75 dias. Os manifestantes exigiram, entre outras coisas, um aumento salarial para professores peruanos.
Três anos depois, em 2020, anunciou sua candidatura presidencial representando o Peru Libre, que se define como um partido da esquerda marxista, depois que o líder da sigla, Vladimir Cerrón, foi condenado a três anos e nove meses de prisão.
Durante a campanha, ele propôs uma série de reformas estruturais que implicam, entre outras coisas, em uma mudança total do modelo econômico peruano.
Para isso, Castillo promoveu a ideia de criar uma nova Constituição Política por meio de uma assembleia constituinte que atribuiria ao Estado um papel ativo como regulador do mercado.
Castillo costumava viajar a cavalo e tinha sua base de apoio no meio rural peruano, que conquistou apelando à sua origem humilde e às grandes desigualdades que existem no Peru.
Assim, conseguiu captar o descontentamento das classes mais pobres, especialmente as do interior do país, historicamente esquecidas pelo centralismo da capital, Lima.
Mas apesar de suas tendências mais à esquerda, ele se posicionava contrariamente ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e favoravelmente a uma “linha dura” na segurança.
Com reportagem de Mariana Sanches, de Washington, e Marcia Carmo, de Buenos Aires
BBC.com