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PM de SP lançará cartilha para ajudar tropa a lidar com colegas suicidas

Foi da pior maneira possível que colegas do soldado Wesly Soares descobriram, no final de março (28), que o PM da Bahia precisava de ajuda. Não conseguiram perceber a tempo que o policial sofria a ponto de sair do controle, atirar para o alto em meio a gritos desconexos, e ser morto como um terrorista

Para tentar evitar tragédias como essa e tantas outras ocorridas em silêncio nos quarteis país afora, a Polícia Militar de São Paulo desenvolveu uma cartilha, a ser distribuída para toda a tropa, para ajudar os policiais a identificar colegas com necessidade de ajuda e contribuir para que eles possam recebê-la. “Há uma rede para assisti-lo. Mas ele precisa chegar à essa rede, e esse é o objetivo da cartilha”, disse o major Mario Kitsuwa, subchefe do Caps (Centro de Atenção Psicológica e Social) da PM paulista, um dos criadores da cartilha de prevenção ao suicídio policial.

A iniciativa, ainda segundo ele, é capacitar os PMs de todos os níveis a identificar sinais de quando um colega precisa de ajuda e também saber o que falar para o parceiro com conversas suicidas. “É uma situação bem difícil [ouvir que o colega quer se matar]. Nós estamos tentando fazer com que os policiais não se se desesperem. Está certo que é um processo de longo prazo, mas que eles entendam que a pessoa está sofrendo e, se ela está compartilhando isso, é porque ela quer ajuda e a gente tem condições de ajudar”, afirmou Kitsuwa.

Na cartilha deve constar o contato de todos os 41 núcleos de assistência psicossocial espalhados pelo estado e, ainda, o telefone de profissionais de plantão para atendê-lo emergencialmente, estrutura já existente e apontada por especialistas como a melhor do país. O nome provisório da cartilha é “Manual de orientações para prevenção de suicídios” e deve ser distribuída ainda no primeiro semestre de 2021.

“Queremos alcançar o último policial, que está na última companhia, no último posto, na divisa do estado. A gente entende que a prevenção é o melhor caminho. A gente minimiza os riscos de acontecer uma situação extrema como essa [da Bahia]. Ninguém gostaria de estar naquela situação, naquele dia.”

Em São Paulo, segundo dados da Polícia Militar, entre 2015 e o final do ano passado, 137 policiais da ativa militares tiraram a própria vida. Nesse mesmo período, 4.729 PMs foram afastados de suas atividades por problemas psicológicos.

Não há uma estatística nacional sobre a saúde dos policiais brasileiros. O episódio da Bahia é também ligado ao tema suicídio porque, para alguns especialistas, ele se encaixa no chamado “suicide by cop” (ou suicídio por policiais, em livre tradução). “A pessoa não tem coragem de atentar contra a própria vida e provoca uma situação com a polícia”, disse o tenente-coronel Valmor Saraiva Racorti, oficial da PM paulista e um dos estudiosos do fenômeno no Brasil.

Ainda segundo o oficial, há uma necessidade premente de se estudar e que casos assim sejam tratados de forma diferente desde o despacho da ocorrência pelo Copom (centro de operações). Para a socióloga Dayse Miranda, doutora em Ciência Política pela USP e diretora executiva do Ippes (Instituto de Pesquisa Prevenção e Estudos em Suicídio), a PM de São Paulo é a única que tem um programa de prevenção de suicídio e uma estrutura criada para atender a saúde mental dos policiais.

Dayse concorda que ter uma boa estrutura não é suficiente para que serviço possa chegar a todos os policiais e, por isso, também defende a criação de uma rede de apoio entre os policias e, ainda, uma capacitação. “Se o colega está na viatura e sofre uma crise de ansiedade, o que o colega do lado vai fazer se não for treinado?”, questionou ela.

Sobre o “suicide by cop”, a pesquisadora disse não ter elementos suficientes para fazer tal classificação, mas conhece alguns casos. “Aqui, no Rio, a gente viu casos de policiais que forjaram a própria morte, como entrar num conflito, e acabaram assassinados. Eles tinham vontade de morrer, mas não tinham coragem [de se matar], pela família. Porque a família do policial suicida perde o direito da aposentadoria completa, não recebem o seguro de vida”, disse ela.

Para ela, a discussão mais importante a ser feita é sobre a estrutura que as instituições policiais no país dispõem para lidar com a saúde mental dos profissionais. “A saúde mental não existe para as corporações e para poder público. As instituições de segurança pública não têm a saúde mental de seus membros como item do orçamento. Isso significa que saúde mental é um tema invisível. Só aparece quando acontecem episódios como esses [de Wesley Soares], quando explode”, disse. Dayse continua. “Esse episódio é mais um episódio. Infelizmente, foi tratado como ato político. […] Todos perderam uma oportunidade de inverter essa situação a favor da própria instituição com a proposição de uma lei que garanta saúde mental e programa de prevenção de suicídio na Bahia.”

A pesquisadora Fernanda Cruz, do Nev (Núcleo de Estudos da Violência) da USP e também pesquisadora associada do Ippes, é outra defensora de que o caso da Bahia deve ser tratado como fonte de estudo para evitar a ocorrência de casos, não para debate político. “A questão que aconteceu na Bahia revela claramente um policial em uma situação de surto. É a principal leitura sobre o caso que precisa ser feita. A gente precisa entender o que aconteceu para esse policial chegar até onde chegou. Até o ponto de colocar em risco a segurança de outras pessoas, de outros policiais, e também a segurança dele mesmo”, disse. Fernanda também critica discussões marginais sobre o episódio da Bahia, como tentar reconstituir as palavras ditas por ele naquele momento de surto, porque ajudam a criar narrativas paralelas que ocultam a principal questão a ser discutida. “O cerne da questão é a gente falar sobre a saúde mental dos agentes de segurança púbica. Porque, intencional ou não para um suicídio, o fato é que aquele policial estava em sofrimento e que ele chegou naquele estágio de sofrimento porque não foi acolhido antes. Será que isso podia ser evitável? Será que esse caso pode nos ensinar alguma coisa para evitar novos casos?” * SINAIS DE ALERTA PARA O SUICÍDIO – Falar sobre querer morrer, não ter propósito, ser um peso para os outros ou estar se sentindo preso ou sob dor insuportável; – Procurar formas de se matar; – Usar mais álcool ou drogas; – Agir de modo ansioso, agitado ou irresponsável; – Dormir muito ou pouco; – Se sentir isolado; – Demonstrar raiva ou falar sobre vingança; – Ter alterações de humor extremas.

O QUE FAZER – Não deixe a pessoa sozinha; – Tire de perto armas de fogo, álcool, drogas ou objetos cortantes; – Leve a pessoa para uma assistência especializada; – Ligue para canais de ajuda. 188 é o telefone do Centro de Valorização da Vida (CVV). Também é possível receber apoio emocional via internet (www.cvv.org.br), email, chat e Skype 24 horas por dia.

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) –

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