O Senado, que tem decepcionado muito o eleitor conservador ou liberal — pense em Sergio Moro aprovando a nomeação do comunista Flávio Dino para o Supremo e na omissão diante dos abusos de Alexandre de Moraes e do Inquérito das Fake News —, tem mais uma chance de mostrar trabalho: precisa barrar o “PL da Globo”, aprovado nesta semana na Câmara.
Trata-se de mais uma tentativa do governo e da esquerda de implantar sua pauta de censura — sua segunda prioridade após o aumento de impostos. Desde que essa turma foi derrotada na Câmara sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL), que desidratou o PL da Censura (PL 2630/2020), tentaram várias vezes ressuscitar o sonho da mordaça digital nas redes sociais. O maior aliado da pauta é o STF, que derrubou há meses o Artigo 19 do Marco Civil, que assegurava a liberdade de expressão nas redes.
Infelizmente, os deputados do Partido Liberal (PL) de Valdemar da Costa Neto e Jair Bolsonaro, supostamente oposição, colaboraram em parte para aprovar o “PL da Globo” nesta semana. Embora a líder da minoria Carol de Toni (SC) tenha votado contra, junto a uma maioria de outros 42 deputados do partido, uma minoria substancial de 23 parlamentares do PL votou a favor, junto com a esquerda: PT, PDT, PSOL, PCdoB, PV e Rede.
Há ao menos uma deputada no partido de oposição que pode ser perfeitamente descrita como “woke”. É Soraya Santos (RJ), que já apresentei nesta coluna. Previsivelmente, ela votou a favor do projeto. A dificuldade do partido em unificar seus parlamentares em uma agenda de oposição tem sido notória desde o começo do terceiro mandato de Lula.
“PL da Globo” cria taxa e obriga “cota brasileira” no catálogo da Netflix
O PL 8.889/2017, proposto pelo deputado petista Paulo Teixeira (SP), foi apelidado de “PL da Globo” porque serve aos interesses do conglomerado midiático da família Marinho ao punir os novos serviços de mídia audiovisual que tenham menos conteúdo brasileiro que sua plataforma.
Seu propósito nominal é regular os serviços de entretenimento via streaming — Netflix, Disney+, Paramount+, Prime Video, Max, Apple TV+, YouTube etc. — e puni-los com uma nova taxa, a orwellianamente chamada “Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional” (Condecine) — uma taxa de até 4% sobre o faturamento bruto, não considerando os impostos que as plataformas já pagam.
Lei Rouanet, Lei Paulo Gustavo e Lei Aldir Blanc não estão bastando para financiar os Bacuraus que o povo não quer assistir. É preciso parasitar.
O texto original do projeto quer turbinar a Ancine (Agência Nacional do Cinema) para que os serviços precisem bater ponto com ela para poderem operar no Brasil e para que a agência estabeleça “soluções de conflito e arbitragem sobre disputas comerciais entre empresas provedoras de conteúdo audiovisual por demanda”.
O plano inclui forçar o streaming a ter um conteúdo mínimo produzido no Brasil. A Ancine fica com o poder de forçar a Netflix e outras plataformas a produzirem no mínimo uma cota de 10% de conteúdo brasileiro no catálogo ofertado. Uma das consequências disso, claro, será a redução do catálogo internacional para atingir a cota com pouco conteúdo brasileiro.
Como a Ancine faz parte do Ministério da Cultura, isso significa que, se o projeto não for rejeitado, o Executivo vai conseguir o que o petismo quer há tempos: tomar para si o poder de dizer quem pode ou não publicar no espaço público brasileiro. A ideia de criar um Ministério da Verdade na forma de uma agência de controle das redes sociais dentro do Poder Executivo é um tema repetitivo do ativismo pró-censura, que já estava no PL 2630/2020.
Com algumas alterações (ver abaixo), este texto base foi votado na Câmara na terça (4) e aprovado por 330 votos contra 118. É uma tragédia.
Você já escolheu seu serviço de VPN? Está ficando impossível ser internauta no Brasil sem isso.
Piorando o que já era ruim
Na comparação do texto original com o aprovado esta semana, notei que no Artigo 4º (depois virou Artigo 3º), por exemplo, que listava “liberdade de expressão” em primeiro lugar na lista de princípios que devem guiar o streaming, os parlamentares rebaixaram esse princípio para o segundo lugar e colocaram “redução das desigualdades sociais” acima dele.
Isso é bem emblemático: um valor associado à esquerda sendo priorizado sobre outro valor agora associado à direita — Noam Chomsky, campeão de esquerda da liberdade de expressão, deve ter amargado uma década de traição da própria tribo política.
Talvez os 23 parlamentares do PL que votaram a favor pensem que reduzir desigualdades não seja uma obsessão característica da esquerda.
Ao protecionismo e parasitismo ridículos do texto base foram acrescentadas emendas piores que o soneto. A pior das alterações foi comentada pelo jurista especializado em liberdade de expressão André Marsiglia e pelo ex-deputado Deltan Dallagnol.
No Artigo 4º, inciso X, o texto aprovado ampliou o escopo do streaming definindo-o assim: “serviço de compartilhamento de conteúdos audiovisuais: serviço de streaming audiovisual por meio do qual terceiros podem hospedar, gerenciar e compartilhar conteúdos audiovisuais e cujo provedor não é responsável pela seleção dos conteúdos disponibilizados”. Ora, isso inclui todas as redes sociais, pois todas têm vídeo.
O texto original excluía explicitamente provedores “dedicados predominantemente a conteúdo não remunerado e gratuito, inclusive redes sociais e mídia social”. Também falava em “mínima intervenção da administração pública” — a expressão agora sumiu, o que também é sintomático.
Quanto à tentativa de transformar a Ancine em uma entidade superpoderosa, a diferença do texto original para o texto aprovado pela Câmara é que as atribuições foram para um enigmático “órgão responsável” do governo federal, que poderia ser a Ancine ou, para todos os efeitos, aquele órgão que o PL da Censura tentou criar.
É inexplicável que partidos que supostamente são oposição ou saíram da base do governo, como o Partido Liberal e o União Brasil, ainda estejam divididos sobre o PL da Globo. Votar a favor disso é entregar de bandeja dois dos principais itens do menu do governo Lula 3: a agenda da censura e de novos impostos.
Blog do Cláudio Dantas




