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O dono da praça

“A praça! A praça é do povo”, escreveu Castro Alves em um dos trechos mais conhecidos da obra do poeta baiano. Mas não mais: a praça, ou ao menos a Praça dos Três Poderes, em Brasília, agora é de Alexandre de Moraes, que faz com ela o que bem entender, mesmo que isso represente mais um ataque a liberdades e garantias democráticas, como se viu no último fim de semana.

Na sexta-feira, dia 25, o deputado Hélio Lopes (PL-RJ) iniciou um protesto: montou uma pequena barraca perto da sede do Supremo Tribunal Federal, na Praça dos Três Poderes, colocou um esparadrapo na boca e anunciou uma “greve de silêncio”; as pautas principais eram a solidariedade ao ex-presidente Jair Bolsonaro, réu do que o deputado considera “perseguição política” por parte do STF, e o apoio ao projeto de lei que anistia os réus e condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023. Logo outros quatro parlamentares do PL se juntaram a Hélio Lopes. No entanto, na noite do dia 25, Moraes ordenou que os deputados deixassem o local, sob ameaça de prisão, e o protesto foi encerrado na madrugada de sábado. Até mesmo os turistas que pretendiam visitar o local no fim de semana encontraram a praça fechada por grades e barreiras, e só no dia seguinte a visitação foi liberada, embora as grades tenham permanecido.

“O protesto silencioso dos deputados não tinha nenhuma das características que legitimariam uma intervenção estatal drástica como a ocorrida”

A decisão de Moraes foi concedida dentro do inquérito das fake news, embora o ministro não tenha feito a menor questão de explicar que nexo haveria entre uma coisa e outra. A falta de relações de causa e consequência, aliás, é a marca nas 12 páginas do despacho do ministro, em que não faltam citações de legislação e jurisprudência estrangeiras sobre os limites ao direito à manifestação, sem que Moraes demonstre como o protesto silencioso e pacífico dos deputados se encaixaria em qualquer uma das hipóteses mencionadas. Não basta a Moraes afirmar que “o direito de reunião e a liberdade de expressão não amparam a prática de atos abusivos e violentos, com a intenção de atacar o Estado Democrático de Direito”; é preciso demonstrar que havia abuso, violência ou animus golpista no protesto dos deputados, o que não foi feito nem no pedido da Procuradoria-Geral da República, nem na decisão do ministro. Aliás, é curioso que o Poder Executivo, a quem cabe normalmente regulamentar alguns aspectos específicos do direito de manifestação, tenha sido totalmente escanteado ao longo do processo, sendo citado apenas como responsável por realizar o “despejo” dos deputados.

Sem isso, resta apenas à PGR e a Moraes invocar o fantasma do 8 de janeiro com o uso pesado de ilações. O ministro afirma, por exemplo, haver um “confessado propósito de repetir os ilegais e golpistas acampamentos realizados na frente dos quartéis do Exército, para subverter a ordem democrática e inviabilizar o funcionamento das instituições republicanas, em especial o Supremo Tribunal Federal”, mas não diz onde estaria tal “confissão”. Comparar um protesto minúsculo e silencioso com a ação de milhares de pessoas, com pitadas de clarividência a respeito das intenções futuras dos deputados, como numa versão brasiliense da ficção Minority Report, é algo evidentemente descabido. Por fim, juristas ouvidos pela Gazeta do Povo ainda recordaram a ameaça de prisão de deputados por crimes que não são inafiançáveis, violando o parágrafo 2.º do artigo 53 da Constituição – embora já se saiba há muito tempo que as garantias constitucionais dos parlamentares já foram abolidas pela vontade suprema de Moraes.

Seria possível que, em algum momento, o protesto silencioso dos deputados degenerasse para algo que de fato representasse algum tipo de transtorno, hostilização a ministros do STF ou defesa de pautas antidemocráticas? Sim, mas a mera possibilidade não pode ser invocada para reprimir uma manifestação que, até aquele momento, não tinha nenhuma das características que legitimariam uma intervenção estatal drástica como a ocorrida. Na descida brasileira rumo ao autoritarismo, o direito de reunião é apenas o mais recente a perecer sob uma suprema caneta.

Com informações Gazeta do Povo

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