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O Brasil está nos estágios iniciais do que pode vir a ser uma longa e sinistra viagem

Ruptura do estado de direito acrescenta um componente extra de incerteza à já adversa perspectiva econômica

Faltando pouco menos de um mês para o início previsto do novo governo, as perspectivas para o país não poderiam ser mais sombrias. Não pela situação deixada pela atual administração, que, no plano econômico, manejou os choques dos últimos anos com destreza ímpar, que ficou ainda mais patente após as últimas revisões das contas nacionais recentemente publicadas pelo IBGE.

Utilizando novas informações setoriais, o IBGE reviu a queda do PIB em 2020 de -3,9% para -3,3%, e o crescimento em 2021 de 4,6% para 5,0%. A taxa de investimento atingiu 19,6% em 2022, o maior valor dos últimos oito anos. Também no mercado de trabalho a situação é de pujança: o desemprego atingiu 8,3% em outubro de 2022, a menor taxa também em 8 anos. A população ocupada beira hoje os 100 milhões de pessoas, um recorde absoluto, que reflete tanto o processo de reabertura pós pandemia quanto os benefícios da reforma trabalhista de 2016. A dívida bruta do setor público atingiu 75% em outubro de 2022, valor virtualmente idêntico ao registrado em 2019, antes da pandemia. A despesa do governo central terminará 2022 com um valor menor, como proporção do PIB, do que a observada em 2019, fato inédito no período pós 1988 e evidência inequívoca de boa administração fiscal, especialmente no contexto dos choques dos últimos anos. Não há registro de nenhuma outra economia relevante em que a dívida tenha permanecido estável, e a despesa primária do governo, caído, no último quadriênio. O monitor fiscal do FMI de outubro de 2022 mostra que, na média, a dívida bruta de economias emergentes subiu 10pp do PIB no período, e a de economia maduras, 8pp do PIB. A presença do mecanismo do teto de gastos, que, ao contrário do que algumas narrativas procuram até hoje disseminar, permaneceu ativo durante todo o período em questão (tendo sido a expansão de 2020 tratada, corretamente, como excepcionalidade); a manutenção dos salários dos servidores públicos, em termos nominais; os efeitos da reforma da previdência maiores do que o originalmente previsto, entre outros fatores, foram variáveis fundamentais para a materialização deste sucesso.

Ciclicamente, no entanto, a economia vive um certo esgotamento. As concessões de crédito bancário a pessoas físicas foram exageradas nos últimos anos, e a inadimplência vem crescendo com velocidade. O mercado de trabalho encontra-se aquecido, e a inflação, embora esteja recuando, não dá mostras que possa convergir para patamares compatíveis com as metas de 2023 e 2024. Os índices de confiança dos agentes econômicos, tanto de consumidores quanto de empresários, mergulharam após a eleição, tendo em vista a inflexão de política econômica que se avizinha. Indícios preliminares sugerem contração da atividade econômica no 4T 22.

Alheios a estas circunstâncias, os economistas e políticos envolvidos com os planos do futuro governo articulam a elevação do limite do teto de gastos em pelo menos R$ 150 bilhões para os próximos anos. Este valor vai muito além do necessário para a manutenção de um programa social amplo de auxílio às famílias mais vulneráveis, sendo totalmente desaconselhável, dado o ponto do ciclo econômico que a economia se encontra, sob quase qualquer ponto de vista – exceção feita ao dos políticos e contratadores de obras públicas que eventualmente se beneficiarão destes gastos, e ainda assim, somente no curto prazo.

Se a perspectiva econômica para os próximos anos se resumisse à elevação do “pé direito” dos gastos, a situação seria ruim, mas não desprovida de saída. Mas há muito mais por vir. O balanço dos bancos públicos, em especial, do BNDEs, é hoje extremamente saudável, saneado que foi pelas competentes administrações dos últimos seis anos. Seu índice de Basiléia é próximo de 50, o que permite que seja utilizado, por um governo de esquerda, como suporte – na forma de empréstimos economicamente não recomendáveis, e compra de participações em empresas de amigos do governo –  a uma economia que se aproxima de uma recessão cíclica, cuja consequência orgânica seria a queda de juros por parte do Banco Central, o que criaria naturalmente condições para um novo ciclo de alavancagem e crescimento.

Após a destruição do balanço do BNDEs patrocinada pelo PT entre 2008 e 2014, os empréstimos concedidos a taxas inferiores às de mercado são hoje vedados por lei ordinária, o que em teoria limita significativamente a utilização do banco na linha discutida. Veremos em breve se isto se constituirá numa barreira efetiva à repetição de práticas que causaram enorme prejuízo ao Brasil.

Lula e vários outros políticos do PT já deixaram claro, em diversas ocasiões, que a gestão da Petrobras mudará, e as práticas que levaram à descapitalização da empresa, no período anterior a 2016, serão retomadas. É provável que haja o término da regra de paridade internacional de preço, e que os investimentos em refinarias e outras atividades pouco rentáveis sejam reinstituídas. Nunca é demais lembrar que foi durante o primeiro governo Lula que os piores investimentos da história da companhia – a refinaria de Abreu e Lima e o Comperj – cada um responsável pelo enterro de pelo menos US$ 15 bilhões, entre propinas e compras superfaturadas – foram iniciados. Em 2022, a Petrobras, sozinha, recolheu à união e aos estados mais de R$ 400 bilhões (ou 4% do PIB) em royalties, dividendos e impostos, tendo contribuído sobremaneira para a melhora da dinâmica da dívida pública, ao mesmo tempo em que se tornou uma companhia extremamente rentável. Infelizmente, este período parece ter se encerrado.

O conjunto de más políticas pode, é claro, ser substancialmente aumentado. Por exemplo, em artigo de abril último, que voltou recentemente a circular, dois prováveis membros da futura equipe econômica (sendo um deles atualmente muito cotado para Ministro da Fazenda) elencaram um menu completo de bobagens econômicas, começando por uma versão tupiniquim do fracassado MMT, passando por imposto sobre exportação, e terminando com uma proposta de moeda única com o restante da desencaminhada América do Sul. Se esta última ideia é tão ruim como de difícil implementação, as demais são igualmente péssimas, e de execução mais factível. Ora, por que não?! As pessoas envolvidas – as mesmas que patrocinaram a maior recessão jamais registrada na economia brasileira – estão falando que vão repetir todo o receituário que a provocou. Por que deveríamos esperar resultados distintos?

A direção da economia sob o jugo do PT é clara, e vai no sentido oposto daquele apontado pela psicografia e pelo cinismo de alguns economistas ditos liberais. Com mais gastos, serão necessários mais impostos. Esta combinação, por si, gerará mais inflação e estará associada a um nível de juros mais elevado, o que induzirá menos crescimento. O voluntarismo com os bancos públicos e a descapitalização das demais estatais têm o potencial adicional de desorganizar a economia e induzir uma crise de confiança, o que pode levar a uma recessão. Além disso, dentro de alguns trimestres, quando a substituição do atual comando do Banco Central, prevista para janeiro de 2025, entrar no horizonte, também a moeda pode vir a perder sua sustentação.

Os condicionantes locais para a economia apontam, desta forma, para um cenário muito adverso, que pode eventualmente ser suavizado caso os preços de commodities permaneçam elevados em 2023.

A situação do Brasil, no entanto, é extremamente preocupante, por motivos que vão muito além da economia. O processo eleitoral que vivemos esteve repleto de vícios, que alimentam questionamentos quanto à legitimidade do governo eleito. As ilegalidades cometidas pelas cortes superiores nos últimos meses incluem, mas não se limitam a, censura prévia e prisão de deputados (atuais e eleitos) ligados ao atual presidente; perseguição de empresários apoiadores do atual presidente; proibição de divulgação de fatos verdadeiros a respeito do presidente eleito, e a censura a veículos de mídia, entre outras arbitrariedades. Esta violência produziu enormes feridas no tecido social que seguem abertas, e tendem não apenas a não cicatrizarem, mas, sim, a se aprofundarem, na medida em que o estado de direito e o devido processo legal sigam sem perspectiva para seu reestabelecimento. A chegada da recessão é um fator potencialmente capaz de disparar um tensionamento ainda maior da sociedade, e a amplificação das manifestações, que seguem muito intensas desde o fim do segundo turno.

Estes elementos de anomalia política acrescentam uma dose adicional de incerteza ao cenário econômico, numa dimensão que não foi comum nas últimas décadas. O Brasil, envelhecido e endividado, parece ingressar num curso potencialmente catastrófico. Os contornos do país que pode emergir do outro lado desse longo e sinistro túnel tendem a ser bem piores do que as simples planilhas de evolução de dívida são capazes de capturar, mesmo nos cenários mais pessimistas.

Por Pedro Jobim

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