A Open Society Foundations, do bilionário George Soros, repassou US$ 28,4 milhões (R$ 153,2 milhões no câmbio médio do período) para ONGs brasileiras em 2024.
Soros é conhecido por ser defensor de pautas progressistas e o maior doador da esquerda no mundo. A Fundação Open Society é um dos maiores fundos filantrópicos privados do planeta, com um fundo patrimonial filantrópico de mais de US$ 25 bilhões (R$ 134 bilhões).
No Brasil, o bilionário húngaro destina recursos financeiros para causas indígenas, combate à violência e pesquisas. O que chama a atenção na lista de 42 instituições é a predileção por áreas consideradas estratégicas para a economia e a democracia, como educação, territorialidade, energia e comunicação em massa.
O montante destinado ao Brasil, a princípio, é um pouco menor do que o injetado em 2023, de R$ 155,5 milhões. Contudo, como algumas instituições estrangeiras financiadas por Soros também aplicam parte de seus recursos no Brasil, este número provavelmente é maior
O valor total enviado ao Brasil desde 2016 (quando os dados passaram a ser divulgados) é de aproximadamente R$ 781 milhões em 2024. O levantamento foi feito pelo Instituto Monte Castelo.
As cinco primeiras colocadas da lista são o Nossas Cidades (R$ 22 milhões), o Fundo Brasil de Direitos Humanos (R$ 18,8 milhões), o Instituto Cultura, Comunicação e Incidência (R$ 10,7 milhões), a Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (R$ 6,4 milhões) e o Instituto Nacional Para o Desenvolvimento Social e Cultural do Campo (R$ 5,3 milhões). Veja a lista completa ao final desta reportagem.
As maiores beneficiadas
O Nossas foi fundado em 2011 e recebeu US$ 4,1 milhões (cerca de R$ 22 milhões) para “apoio geral” em 2024. No jargão do setor, isso geralmente significa que o valor se destina a despesas com pessoal, material e imóveis, em vez de um projeto específico.
De acordo com o site da Open Society, a ONG recebeu US$ 42 mil (R$ 226 mil na cotação média do ano passado) em 2016 para iniciar um projeto que ajudasse a reduzir o índice de homicídios na América Latina. Ao longo dos anos, os valores foram subindo, até que, de 2023 para 2024, houve um salto de US$ 400 mil (R$ 2,1 milhões) para US$ 4,1 milhões (R$ 22 milhões).
Segundo o perfil de sua página, a ONG “atua para fomentar e fortalecer uma rede de cidades ativistas, atentas às decisões do poder público e mobilizadas por políticas mais justas e democráticas”. Nos anos anteriores, as justificativas do aporte eram: “expandir vozes periféricas no debate público”, treinamento e proteção ambiental em cidades-chave da Amazônia, e projetos voltados para mudanças climáticas.
A segunda ONG com maior doação foi o Fundo Brasil de Direitos Humanos, com US$ 3,3 milhões (cerca de R$ 18 milhões). O ICCI, apesar da quantia volumosa de US$ 2 milhões (cerca de R$ 10,7 milhões), é novo – surgiu em 2023 –, mas sintetiza as áreas que a Open Society tem focado no Brasil.
Seu trabalho consiste em três pilares: clima (energia), democracia (política) e justiça (social). O que eles fazem? De acordo com o relatório de 2024, “além do apoio financeiro, o Instituto facilita a colaboração entre iniciativas, desenvolve pesquisas e promove o debate sobre a importância da comunicação estratégica dentro da filantropia”.
Três em um
Duas das três organizações que mais receberam verba da fundação da família Soros em 2024 têm uma integrante em comum: a empresária Alessandra Orofino. Ela é cofundadora do Nossas Cidades e conselheira do Instituto Cultura, Comunicação e Incidência (ICCI).
Segundo o site Nossas Cidades, Alessandra é uma especialista “em comunicação de massa e mobilização em larga escala, com vasta experiência em mobilização popular, organização de pessoas e desenvolvimento de produtos de impacto para televisão e cinema”.
Alessandra também faz parte de outra ONG da lista, a Peri, uma organização de mídia onde ela é diretora-executiva. O currículo da empresária e roteirista inclui também a criação e a direção de sete temporadas do programa Greg News com Gregório Duvivier, direção de vídeos de opinião para o jornal americano New York Times e documentários.
Em 2022, após as eleições, Alessandra foi convidada para a equipe de transição do presidente Lula, como uma das coordenadoras do grupo de trabalho vinculado ao Ministério das Comunicações. A executiva ainda faz parte do Conselho de Administração de três organizações com forte foco em estratégia cultural e narrativas: a Luminate Foundation, a Meliore Foundation, além do ICCI.
A reportagem da Gazeta do Povo tentou contato com o Nossas e o ICCI, sem retorno até o fechamento, para saber como os recursos foram aplicados. O espaço continua aberto.
Energia, política e narrativas
A lista de 2024 traz novos beneficiados e contempla antigas parcerias. A Open Society direciona seu aporte financeiro para causas de direitos humanos e causas ambientais.
Dentre as ONGs apoiadas pelo bilionário húngaro, muitas mostram uma agenda intensa de atividades e resultados, principalmente as que são voltadas para questões de combate à violência, raciais e de gênero.
Mas também é perceptível que a fundação, hoje liderada pelo filho de George, Alex Soros, está interessada na transição energética no Brasil, política e comunicação. O interesse nos temas interfere nos valores direcionados.
A Justiça Global, por exemplo, recebe dinheiro da Open Society desde 2017. Em 2023, chegou a ganhar mais de US$ 500 mil (R$ 2,6 milhões) para ajuda geral. No ano passado, a doação baixou consideravelmente para US$ 110 mil (R$ 592 mil), “para aumentar a solidariedade internacional entre os defensores dos direitos humanos que operam em contextos de violência institucional e conflito militar”.
Já a Labóra Oficina de Comunicação Política ganhou US$ 800 mil (R$ 4,3 milhões) em seu ano de estreia. O montante visa ajudar no treinamento de comunicação de mulheres. Segundo a Labóra, a ONG “nasceu para fortalecer a democracia treinando pessoas para a batalha narrativa da comunicação. Consideramos urgente fortalecer a estratégia de comunicação do campo progressista”.
Terras, Amazônia e governo
Outro assunto recorrente nas pautas financiadas pela família Soros é o meio ambiente. No caso do Brasil, a pauta perpassa por investimentos para o desenvolvimento de energias sustentáveis de baixo carbono e o cuidado de terras e de povos da Amazônia.
A Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura, por exemplo, recebeu US$ 1,2 milhão (R$ 6,4 milhões) para realizar pesquisas sobre a possível territorialização do “Plano Brasileiro de Transformação Ecológica das regiões Nordeste e Amazônia do Brasil”. Trata-se de uma política nacional do governo federal para impulsionar ações específicas para regiões como a Amazônia e o Nordeste.
Outras duas entidades que receberam apoio financeiro no ano passado foram o Instituto E+, que desenvolve projetos estratégicos focados em descarbonização, incluindo a eficiência energética como eixo estratégico, além de biocombustíveis, renovabilidade e modernização industrial, inclusive com apoio do governo federal.
E a Associação de Defesa Etno Ambiental Kanindé, cujo repasse de R$ 431 mil (valor corrigido para ter a ordem de grandeza similar aos demais), foi para “litígios estratégicos relacionados à justiça climática, direitos ambientais e direitos à terra para os Uru Eu Wau Wau”.
De acordo com o governo, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau tem área de 1,8 milhão de hectares, distribuída em Guajará-Mirim e em outros 11 municípios de Rondônia, onde vivem cerca de 500 indígenas dos povos Jupaú (Uru-Eu-Wau-Wau), Amondawa, Cabixi e Oro Win, além de pelo menos três povos indígenas isolados já confirmados.
O local é alvo constante de extração ilegal de madeira. Em setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou uma operação de “desintrusão” para a retirada de não indígenas na região, a fim de combater atividades ilegais.
A Gazeta do Povo procurou a Open Society e aguarda um retorno.
Consultoria política de quê?
O Maranta Inteligência Política recebeu US$ 700 mil (R$ 3,7 milhões), em três doações distintas em 2024, para apoiar reuniões e encontros do G20, que aconteceu em novembro do ano passado no Rio de Janeiro. O G20 é o fórum de cooperação econômica internacional para debater economia internacional e desenvolvimento socioeconômico global.
Nos anos anteriores, entre os objetivos das doações, conforme consta no site da Open Society, estão: apoio à defesa de políticas de renovação democrática, promoção de uma perspectiva latino-americana sobre a Guerra na Ucrânia que enfatize os valores democráticos e apoio ao trabalho do beneficiário no debate público em torno de um novo paradigma de desenvolvimento no Brasil.
Nas redes sociais da Maranta, porém, não consta qualquer informação sobre a ONG. No site há um e-mail para o qual enviamos pedido de como a doação foi usada, sem retorno, e a frase “em breve”. No Instagram, apenas algumas imagens.
Apenas o LinkedIn traz alguma pista do que a organização faz: “Maranta é um novo tipo de consultoria para uma nova agenda global. Orientados pelos valores da sustentabilidade, produzimos inteligência política para nossos clientes, oferecendo serviços de análise e monitoramento de risco político associado à agenda ambiental, engajamento estratégico e formação de lideranças com base em pesquisas robustas, informação qualificada e abordagem multidisciplinar.”