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Análise: A verdadeira ameaça à democracia está no STF?

Ministros do Supremo alegam atuar em nome da democracia, mas o Judiciário se destaca entre as “ameaças à democracia” mencionadas em pesquisa

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) atuam muito intensamente, desde 2019, sob a alegação de que estão defendendo a democracia brasileira. E o fazem por caminhos heterodoxos, com inquéritos abertos de ofício, sem prazo para terminar, e fora dos protocolos habituais.

Pode ser que, como gostam de dizer os juízes do Supremo, eles não tivessem opção, diante dos desafios impostos às instituições brasileiras nos últimos anos, simbolizados pelos atos de 8 de janeiro de 2023. Mas o fato é que, agora, o próprio STF passou a figurar entre as principais “ameaças à democracia”, e não apenas entre os apoiadores de Jair Bolsonaro.

Segundo pesquisa Latam Pulse divulgada na terça-feira, 8, o Judiciário, encabeçado pelo Supremo, foi a opção mais mencionada entre as dez sugeridas aos 2.621 eleitores brasileiros consultado de 27 a 30 de junho. Foi o que apontaram 42,8% dos consultados.

O recorte por voto é importante nessa análise. Apenas 3,7% dos eleitores de Lula identificaram o Judiciário como ameaça, contra 76,5% dos eleitores de Bolsonaro, incomodados com a forma como o STF enfrentou o ex-presidente nos últimos anos, muitas vezes declaradamente.

O equilíbrio político possível nesse quesito está nos eleitores que votaram nulo ou branco, e 48,3% deles apontaram o Judiciário como ameaça à democracia, um número maior até do que a média de 42,8%, puxada para baixo pelos eleitores de Lula — e por quem não votou (26,1%).

E as Forças Armadas?

O governo federal aparece logo atrás do Judiciário, com 38,8%, e o Congresso Nacional os acompanha à distância, como terceiro mais citado, com 28,9%. Curiosamente, as Forças Armadas, que eram esgrimidas por Bolsonaro como ameaça de poder moderador, aparecem em apenas 5,1% das menções.

Não foi por falta de aviso, inclusive de O Antagonista. Os limites institucionais para a atuação de autoridades públicas existem não apenas para evitar abusos, mas para preservar as instituições aque elas representam.

Foi sob a alegação de proteger direitos no Brasil que Alexandre de Moraes (foto) bloqueou uma rede social inteira durante 40 dias em 2024. O pleito do ministro era duvidoso desde a origem do processo que levou ao bloqueio do X: ele queria (e conseguiu) bloquear perfis de pessoas que não considera aptas para exercer a própria liberdade de expressão.

E o Congresso?

Por falar em redes sociais, o STF passou por cima do Congresso em junho, ao derrubar parcialmente a validade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que previa a mediação da Justiça para responsabilizar as plataformas por conteúdos publicados por seus usuários.

Não é a primeira questão em que o parlamento se sente invadido em suas competências pelo Supremo, que agora se apresenta como mediador entre Executivo e Legislativo.

Moraes marcou para 15 de julho uma audiência de conciliação para tratar do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). E seu colega Flávio Dino já atua como mediador da crise das emendas parlamentares impositivas, sob a desconfiança de que media a questão a favor de Lula.

Corrupção e privilégios

A mesma pesquisa AtlasIntel/Bloomberg que apontou o Judiciário como ameaça à democracia expôs também o desencanto dos brasileiros com o combate à corrupção, na esteira do desmonte da Operação Lava Jato, feito no STF, que também já tinha derrubado por tecnicalidades outras grandes investigações sobre esquemas de corrupção.

O levantamento indicou que 59,1% dos brasileiros dizem ter “pouca ou nenhuma” confiança na capacidade do sistema judiciário brasileiro de aplicar a lei de forma justa e honesta.

Além disso, o Judiciário não dá indicações de que pretende respeitar qualquer limite de gasto. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pagou 3,4 milhões de reais em penduricalhos a seus magistrados só nos cinco primeiros meses de 2025.

Presidente do STF e do CNJ, Luís Roberto Barroso chegou a dizer no início do ano que “52% do custo do Judiciário é arrecado pelo próprio Judiciário”.

Ele tentava defender os altos custos dos juízes brasileiros, mas a arrecadação via multas não pode funcionar nessa lógica, sob o risco de perverter completamente o sistema de Justiça — o juiz vai decidir um caso de olho na previsão orçamentária?

Autocontenção

O STF se ressente da falta de algum anteparo ao seu próprio poder desde que começou a reagir contra tudo, inclusive fatos, que considera ataques à instituição.

Sem qualquer possibilidade de controle, a não ser a bomba atômica do impeachment de um de seus membros, os ministros do STF deveriam exercitar, mais do que qualquer outro agente público, a autocontenção.

É o que cobra, sempre discretamente, o ministro Edson Fachin. Não é um trabalho fácil, mas os ministros do STF precisam estar e se comportar à altura dessa missão.

Não é o que indicam seus discursos. Dino deixou claro, durante a edição deste ano do Gilmarpalooza, em Lisboa, que o ânimo preponderante no Supremo é outro.

“Ação e reação”

“No Supremo, há pessoas de todos os tipos, origens, pensamentos, como deve ser um tribunal num país democrático. Mas eu não conheço ninguém que esteja feliz com essa ideia da hiperjudicialização dos conflitos políticos, econômicos e sociais (…) Agora, não contem também com o Supremo prevaricador e absenteísta”, discursou o ministro com “cabeça política” indicado por Lula.

Dino deixou seu recado também sobre o ímpeto de autopreservação do STF:

“Hoje, a lógica dominante no Brasil é essa lógica do extermínio do diferente. E acho que o Supremo não deve entrar muito nessa lógica. Porém, se nos colocarem lá, o que a gente faz? Os outros têm que pensar nisso também, porque, se não nos dão saída, nós vamos ter que, de algum modo, readequar, até por imperativo físico das leis de Newton, ação e reação.”

Prestígio

Já Barroso aproveitou o Gilmarpalooza para defender a regulação das redes sociais pelo STF e repetir que o “prestígio e importância de um tribunal não pode ser aferido em pesquisa de opinião pública“.

Pode ser que esteja certo, mas os ministros do Supremo também não estão em posição de desconsiderar a opinião pública completamente, ainda mais quando se embrenharam de forma tão intensa no jogo político, e sob o risco de contribuir mais para o desgaste da democracia e da República do que para seu alegado fortalecimento.

O Antagonista – Por Rodolfo Borges

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