A recente manifestação do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, soa como um equívoco grave do ponto de vista institucional e republicano. Ao declarar publicamente que a PF “não aceitará acordo que implique em supressão de sua autonomia” em razão do projeto de lei antifacção em tramitação no Congresso Nacional, Rodrigues ultrapassa o limite da função constitucional que cabe à corporação: aplicar e fazer cumprir a lei — e não discutí-la ou contestá-la politicamente.
A Polícia Federal é uma instituição de Estado, não um ator político. Sua missão é investigar, prevenir e reprimir crimes dentro dos marcos legais definidos pelos poderes Legislativo e Judiciário. Quando seu diretor se manifesta de forma a interferir no debate legislativo, especialmente em um tema sensível como o combate às facções criminosas, abre-se um perigoso precedente de politização da segurança pública. Veja:

O projeto em questão, conhecido como PL Antifacção, busca criar um marco legal mais rígido no enfrentamento às organizações criminosas que hoje controlam vastas regiões do país. É um tema legítimo e urgente, mas a decisão sobre seus contornos cabe ao Parlamento — que representa o povo e detém, por definição constitucional, a prerrogativa de legislar. À Polícia Federal, assim como às demais forças de segurança, cabe aplicar a lei aprovada, independentemente de concordar ou não com ela.
A fala de Andrei Rodrigues, portanto, não apenas extrapola a função técnica da PF, mas também ameaça o princípio da subordinação das polícias ao poder civil. Uma instituição armada e de poder investigativo expressar resistência a um projeto debatido no Congresso é algo que deveria preocupar qualquer democrata. A autonomia funcional da Polícia Federal não pode ser confundida com independência política — muito menos com o direito de opinar sobre as leis que deve cumprir.
Em um momento em que o país enfrenta o fortalecimento de facções e o crescimento da criminalidade organizada, o foco da PF deveria estar em aprimorar suas operações, inteligência e cooperação federativa, e não em disputar espaço político com o Legislativo. O risco de transformar uma corporação de Estado em um agente de pressão política é enorme — e mina o equilíbrio entre os poderes.
No fim das contas, a lei deve moldar a polícia, e não a polícia moldar a lei. Quando uma autoridade policial se coloca como parte de um debate legislativo, confunde hierarquia institucional com protagonismo político. E isso, em uma democracia, é uma linha que nunca deveria ser cruzada.
**Poliglota é jornalista e Editor-chefe do Portal Opinião Brasília




