Os desdobramentos dos julgamentos relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023, que abalaram a democracia brasileira, continuam a reverberar no cenário político nacional. À medida que o Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, avança na ação penal contra os acusados de tentativa de golpe de Estado, uma nova visão parece emergir no campo da esquerda. Esta visão não se limita a uma simples defesa da punição exemplar, mas revela uma estratégia mais ampla: isolar Jair Bolsonaro e seu núcleo mais próximo, enquanto tenta mitigar a revolta popular gerada pelas penas consideradas desproporcionais aplicadas aos chamados “desconhecidos” — aqueles réus sem grande notoriedade ou proximidade direta com o ex-presidente.
Um exemplo emblemático dessa tensão é o caso de Débora Rodrigues dos Santos, a cabeleireira condenada a 14 anos de prisão por pichar a frase “Perdeu, mané” na estátua da Justiça, em frente ao STF. A pena, vista por muitos como excessiva para o ato cometido, gerou uma comoção social que transcendeu a bolha bolsonarista, alcançando a população em geral. Esse episódio expôs uma fragilidade na estratégia inicial de Moraes, que apostava em punições severas como forma de dissuadir futuras ações antidemocráticas. Em vez de consolidar apoio, a dureza das sentenças acabou alimentando um sentimento de injustiça, contaminando a percepção pública sobre todo o processo.
Diante disso, a esquerda parece ter identificado uma oportunidade de ajustar sua abordagem. A proposta do líder do PSD, Pedro Campos (PSD-PE), que ganha força é pressionar o STF a rever as penas dos réus menos expressivos, como Débora, reduzindo a percepção de arbitrariedade e acalmando a revolta popular. Essa tática teria um duplo objetivo: preservar a legitimidade do Judiciário, que vem sendo alvo de críticas crescentes, e concentrar o foco punitivo nos núcleos mais próximos de Bolsonaro — os chamados “núcleo crucial” da trama golpista, que inclui ex-ministros e militares de alta patente. Assim, figuras como Walter Braga Netto, e o próprio ex-presidente poderiam ser isoladas como os verdadeiros arquitetos do plano, enquanto os “desconhecidos” receberiam tratamento mais brando, possivelmente via acordos de não persecução penal ou penas alternativas.
Essa mudança de rumo não é apenas uma resposta à pressão social, mas também um cálculo político com vistas a 2026 onde Bolsonaro aparece com vantagem acachapante sobre Lula. A esquerda sabe que Bolsonaro, mesmo réu no STF, ainda mantém influência significativa entre seus apoiadores e pode tentar se reposicionar como mártir em uma eventual corrida presidencial. Ao flexibilizar as penas dos réus periféricos, os estrategistas progressistas buscam desarmar a narrativa de perseguição generalizada que o bolsonarismo tem explorado com sucesso. Se o STF conseguir modular as punições, separando os peixes pequenos dos grandes, a imagem de um Judiciário implacável com “velhinhas e cabeleireiras” — como já ironizou Moraes ao rebater essa narrativa — pode ser substituída por uma percepção de justiça mais equilibrada, focada nos reais responsáveis pela tentativa de ruptura democrática.