A covid-19 como aliada da segurança: será?

Leonardo Sant’Anna. Foto: Divulgação

Por Leonardo Sant’Anna*

Quando mandei as imagens do Aeroporto Internacional de Madri para o Brasil, as exclamações pareciam um coro: “Isso é uma montagem!”. Mas não era. Bem diferente da saída de Dubai, onde já era possível verificar medidas preventivas de saúde, mesmo sem que a pandemia tivesse se alastrado, o aeroporto estava irreconhecível.

Em 27 de março, ao colocar os pés em Brasília, voltaram a minha mente as imagens dos períodos em que estive em países colapsados social, política e economicamente. Afinal, as pandemias, determinariam as mesmas medidas drásticas de convívio social dos espaços territoriais que tenham passado por guerras?

Não estamos nem perto disso se compararmos com as agruras vistas em nações que estão ou passaram por conflitos armados. Mas ao falar do comportamento de agressores sociais e da proteção de bens e pessoas, dois pontos trazem um incômodo semelhante àqueles lugares: o impacto emocional que afeta quem precisa ficar confinado e o comportamento sempre adaptável dos bandidos.

Pulando direto para o segundo item, é necessário que enxerguemos nossa cidade de maneira diferente. Temos uma proteção aceitável, políticas públicas bem definidas e instituições de segurança respeitadas. Os delitos mais graves possuem pouco espaço, diante de uma população bem educada, assim como serviço e transporte públicos que ainda têm muito lugar para melhorias.

Tudo isso colabora para minimizar uma onda de crimes supostamente previsível ao tempo em que, dentro de pouco mais de 60 dias, perdem-se todas as quase 17 mil vagas de emprego conseguidas ao longo do ano anterior. Em paralelo com a menor circulação de pessoas nas ruas, pela imposição do lockdown, também temos mais carros fora das garagens, fator causado pela proporção diferenciada que nossos cidadão ostentam de serem a maior quantidade de veículos per capta do país.

Além de quem se obriga a atender ao “fique em casa”, os pilotis dos prédios e as garagens das edificações térreas concentram a olhos vistos os “camelos”, ou bikes (ou até as bicicletas, que já colocamos em terceiro plano no nosso vernáculo). Aliados a uma segurança privada capacitada de maneira rasa, quando é o caso, e com uma classe média que há décadas é enamorada por uma figura mística chamada de porteiro, isso traz uma consequência: a preocupação com crimes direcionados para ambientes patrimoniais e domésticos.

Os números da Secretaria de Segurança do DF indicam que entre março e maio, meses marcados pelas regras de isolamento social, os crimes violentos no DF caíram em 30%. Boa parte dessas ocorrências dependem de relações sociais que foram interrompidas em sua essência, deslocada da distribuição de pessoas nos mais diversos espaços de aglomeração, passagem ou convívio. Os locais mais comuns de reunião estão fechados, esvaziando as oportunidades que os bandidos tanto necessitam para concluir seus crimes.

As mesmas estatísticas públicas trazem que nesse período, o número de homicídios caiu de 122 no ano passado para 87 neste ano. Quanto a isso, as áreas, horários e atrativos em ocorrências desse tipo de crime não se encontram disponíveis. Não há mais bares, restaurantes e quaisquer outros comércios abertos nas proximidades de residências, ou nos seus locais comuns de instalação.

E sobre quem está circulando nas ruas? A queda de vítimas foi da ordem de 40%. Dos quase 7700 registros em delegacias de março a maio de 2019, aproximadamente 3.000 brasilienses deixaram de ser alvo de marginais. Caiu para 4.647 a quantidade de pedestres atacados, uma derrota mais do que bem vinda para a comunidade do nosso quadradinho.

Mesmo nas áreas periféricas de Brasília a regra de isolamento precisou ser obedecida.

Com grandes conjuntos comerciais de portas abaixadas e circulação de menos bens e valores em espécie, surge o consequente esvaziamento de transportes públicos comuns e por aplicativo. As prováveis vítimas se tornaram escassas para quem se valia dessa prática delitiva, novamente alegrando os que eram repetidamente amedrontados por armas brancas e de fogo.

O vírus, em forma de coroa e que se esconde nos nossos menores comportamentos, nos fez refletir de diversas formas. Feriu o tecido emocional dos que ainda se adaptam às perdas familiares, se acostumam com máscaras e se ressentem das restrições em seus momentos lúdicos e relações sociais. Mas ficou claro, para o bem-estar de todos, que o outro vírus, que também nos ataca, mas em forma de humano, não encontrou condições favoráveis para se adaptar nesses mesmos dias de 2020.

*Leonardo Sant’Anna – atuou por 28 anos na PMDF, e também atuou como consultor de segurança internacional em diversos países, alguns deles inclusive pela ONU

Artigo anterior‘Escola em casa DF’: volta às aulas não presenciais começa hoje
Próximo artigoAgora é lei: atividades religiosas são essenciais no DF

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui