O Brasil tem acumulado angústias, ao longo de toda a disputa eleitoral pela Presidência dos Estados Unidos, diante dos riscos de que o “fascismo” volte à face da Terra. Na verdade, não é o Brasil que está preocupado com o assunto. A população brasileira tem mais bom senso que toda a sua elite somada, e sabe perfeitamente, ou intui, que não existe uma única coisa de verdade na sua vida que possa ser ameaçada pelo “fascismo”. Sabe os perigos reais do seu dia a dia, que vão de uma droga de salário até o revólver que o ladrão aponta para a sua cabeça — e tem certeza de que a extrema direita não é um deles.
Quem fica falando dia e noite disso são Lula, os professores da USP e os banqueiros com “pegada social” — e quem mais se inclui no seu mundo. Devem estar com a ansiedade em modo extremo, desde ontem, com a vitória de Donald Trump para a Presidência norte-americana. Segundo disse às vésperas eleição o presidente brasileiro, Trump vai trazer de volta para os Estados Unidos e o mundo não apenas o “faxismo”, como ele diz, mas também o “nazismo”. Espera-se, então, a breve abertura de fornos crematórios, campos de concentração e a troca do FBI pela Gestapo nos Estados Unidos.
É a soma da afirmação cretina com a hipocrisia que faz parte do DNA de Lula — ele já cumprimentou e desejou boa sorte para o homem que chamou de fascista e nazista três dias atrás. Mas nem Lula nem a esquerda precisam se incomodar com o “fascismo” nos Estados Unidos. A mercadoria está disponível aqui mesmo, para entrega imediata, e um de seus principais produtores é justamente o mais precioso dos seus aliados — o Supremo Tribunal Federal. Querem mesmo combater o fascismo? É só mandar a Polícia Federal “cumprir mandados” na nossa “suprema corte”, como diz Lula. Vai sair de lá com o camburão lotado com o que existe de mais parecido a um fascista de carteirinha nesta altura do século 21.
O fascismo não está em Trump, mas no Brasil
Neste preciso momento, por exemplo, o ministro Flavio Dino desfila como o porta-estandarte mais embandeirado do fascismo brasileiro — o que existe no mundo das realidades, e não a versão falsificada que o governo apresenta. Mandou queimar livros, para todos os efeitos práticos. Não com “substância inflamável”, como diria o ministro Alexandre de Moraes, mas proibindo a sua circulação e leitura, o que dá exatamente na mesma. O último regime que fez isso foi a Alemanha nazista, irmã gêmea do fascismo que deixa tão assustadas as classes culturais, o governo e, vejam só, o próprio STF.
Destruir livros é um dos atos de fascismo mais explícitos que um regime pode cometer. É também algo que está expressamente proibido pela Constituição Federal, no artigo 220. Está escrito ali: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição”. Qual a dúvida que poderia haver em relação a isso? Para fechar pelos sete lados, o texto diz logo em seguida que é proibido fazer leis que possam conter qualquer “embaraço à plena liberdade de informação” e qualquer “censura de natureza política, ideológica e artística”. Isso quer dizer, muito simplesmente, que a decisão do ministro viola a Constituição.
A argumentação de Flavio Dino não tem nada do que se possa entender como “argumento”; é apenas uma miserável coleção de opiniões baratas que você pode encontrar no primeiro boteco da esquina. Os livros censurados, todos compêndios de Direito, contém trechos que ele considera “homofóbicos” e ofensivos “às mulheres”. E que raios isso tem a ver com as funções de um ministro do mais alto tribunal de Justiça do Brasil? Há leis que regulam o tema; se os autores e os editores cometeram infrações à regra legal, têm de ser processados, julgados e condenados, ou absolvidos, dentro do devido processo da lei. Mas censura não existe, e o ministro está praticando censura da forma mais primitiva.
Quem são os censores
É um insulto aos brasileiros dizer, como diz pela milésima vez um juiz do STF, que “a liberdade de opinião não é absoluta”. E quem está dizendo que é? Todos os delitos que podem ser cometidos através do uso da liberdade de expressão, sem nenhuma exceção, são previstos no Código Penal e em outras leis. Todos, sem exceção, são responsáveis por cada sílaba que digam em público. Têm de responder, penal e civilmente, pelo que falam ou escrevem — mas têm, sim, o direito de falar e de escrever o que queiram.
Quem não gosta do que está escrito num livro tem todo o direito de não ler, de criticar, de não ir mais à livraria onde está à venda, de não comprar mais nenhum livro da editora responsável. Mas não pode exigir que o livro seja tirado de circulação — nem ele, nem o ministro Dino e nem ninguém. Quem censura é fascista, ou comunista, que falam, falam e falam, mas querem precisamente a mesma coisa — a ditadura. O ministro já foi glorificado por Lula como “o primeiro comunista a ser nomeado para o STF”. Para não deixar dúvida nenhuma, também está agindo como um fascista de primeiro grau.
Fonte: Revista Oeste