Conheça a história do morador de rua que aos 9 anos fugiu de casa e reencontrou a mãe aos 26 anos após ser atropelado
Campos Belos-GO, agosto de 2004 – Um garoto de apenas nove anos aproveita que os pais estão dormindo para por as pernas no mundo. Sua meta é tentar a sorte em Brasília, a 400 quilômetros da pequena cidade goiana que deixaria para trás. Levou sua infância e deixou uma mãe desesperada. O menino virou homem e nunca mais voltou. Depois de mais de 17 anos da fuga, o destino encontrou uma forma trágica de devolver o garoto fujão aos braços da desolada mãe.
Brasília-DF, 14 de maio de 2021. Um motorista imprudente atropela um morador de rua numa das avenidas da capital. A vítima sofre traumatismo craniano, fratura mãos e pernas. Socorrido por uma equipe do SAMU, o homem maltrapilho é levado para a emergência do Hospital de Base (HB). Mas ele não portava nenhum documento que pudesse identificá-lo. Quem é, qual a idade, onde nasceu aquele homem?
Em busca dessas e de outras respostas, o Serviço Social do HB entrou em ação. As assistentes sociais recorreram à Polícia Civil para saber o nome e outros dados da vítima. Ao identificá-lo, seria possível chegar a algum parente do paciente. A busca não demorou. A polícia identificou-o pelas digitais. Mas isso não seria suficiente para solucionar o caso.
O enigma continua
O homem atropelado foi identificado como José Carlos dos Santos, de 26 anos, natural de Campos Belos, Goiás. Parte do problema estava resolvida. Mas era preciso achar algum parente, alguém que pudesse reconhecer e se responsabilizar pelo rapaz. No banco de dados da polícia não constava nada. Sem parentes, sem nomes, sem qualquer contato. Continuava o enigma.
O caso do morador de rua atropelado desafiava a equipe do Serviço Social. “Não desistimos. Decidimos esperar ele melhorar para tentar resolver o caso”, lembra Letícia Nascimento, umas das assistentes sociais que cuidaram de José Carlos.
A espera demorou 23 dias, tempo em que ele foi recuperando a consciência e lembrando-se da sua própria história. No dia 6 junho, com o rapaz já consciente, as assistentes sociais voltaram à luta para desvendar o mistério. Elas conversaram com o paciente, buscando fazê-lo lembrar de algo ou de alguém que pudesse ajudá-lo. Foi quando ocorreu mais uma ironia do destino.
Para sorte das assistentes sociais e do próprio rapaz, José Carlos havia tido problemas com a lei, fato que não apareceu no banco de dados da Polícia Civil quando ele foi identificado pelas digitais. Mas José Carlos tinha antecedentes criminais, problemas que o levaram a cumprir medidas socioeducativas determinadas pela Justiça. Ou seja, alguém na esfera jurídica deveria saber quem era aquele rapaz.
Os profissionais de saúde insistiram. “Mesmo confuso, ele conseguiu lembrar o número do celular de uma assistente social”, relata Letícia. “Ele contou que havia ficado sob a tutela dessa assistente social quando esteve cumprindo medida socioeducativa. Fomos atrás dela”.
A servidora que tutelou José Carlos foi localizada. Foi ela quem ajudou a equipe do Hospital de Base a encontrar outra peça-chave para resolver o enigma: uma funcionária da Secretaria de Justiça do DF que lidava com moradores de ruas. Formou-se, assim, uma força-tarefa determinada a achar parentes do rapaz. Até que, finalmente, descobriram o nome, onde morava e o telefone de uma pessoa fundamental para por fim ao enigma: a mãe de José Carlos.
A esperada notícia
A mãe é uma senhorinha de 46 anos, que tem três mulheres no próprio nome: Iolanda Maria da Conceição. Ela é era natural de Campos Belos, mas vivia agora em São Miguel do Araguaia, município goiano a 500 quilômetros de Brasília. A mudança de endereço dificultou localizá-la. Mas a equipe do HB persistiu, conseguiu achá-la e descobrir o número do celular dela.
No dia 21 de junho, dona Iolanda recebeu um telefonema que lhe daria a notícia mais esperada por ela em toda a sua vida:
– Dona Iolanda, o seu filho José Carlos está vivo! – anunciou a assistente social Letícia Nascimento. Do outro lado da linha, a atônita senhora se emocionou, caindo em prantos.
Emoções acalmadas, Letícia contou onde estava e qual era o estado de saúde de José Carlos. Disse que ela poderia visitá-lo no Hospital de Base. A vontade de dona Iolanda foi pegar um ônibus no mesmo dia. Mas, debilitada por uma diabetes avançada, ela adiou a viagem por quase um mês.
Somente no dia 19 de julho, dona Iolanda pegou um ônibus em São Miguel do Araguaia e viajou seis horas até desembarcar na Rodoviária do Plano Piloto. Ali, a equipe do Serviço Social do HB já aguardava para levá-la ao hospital. Minutos depois, num encontro emocionado, mãe e filho voltavam a se abraçar após 17 longos anos de saudades.
Juntos de novo
Abraçada ao filho, dona Iolanda contou que, mesmo abalada com o sumiço do então pequeno Zé Carlos, nunca perdeu a esperança de reencontrá-lo com vida. “O tempo foi passando, mas eu tinha fé que um dia ia ver meu filho de novo”, declarou, com a voz embargada.
Ainda emocionado com o reencontro, Zé Carlos contou que fugiu porque queria mostrar à família que, mesmo sendo apenas uma criança, poderia se virar sozinho. Achou que conseguiria emprego em Brasília com nove anos de idade.
“Peguei uma carona para tentar a sorte em Brasília”, relata. “Acabei me perdendo, não consegui voltar para casa, não sabia como falar com a minha mãe… Então fui ficando, ficando e acabei morando na rua. Eu procurei por ela a minha vida inteira. Agora, fico até sem acreditar que ela apareceu e que vamos poder viver juntos de novo”.
Dona Iolanda não pôde ficar com o filho no Hospital de Base. Há restrições para permanência de acompanhantes por causa da pandemia do coronavírus. Tanto pacientes quanto familiares podem ser contaminados. Além do mais, ela precisava retornar a São Miguel do Araguaia para continuar tratando da diabetes. “Mas assim que ele receber alta, eu volto para buscar meu filho”, garantiu.
Zé Carlos permanece internando no Hospital de Base, unidade administrado pelo Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IGESDF). Aguarda por uma cirurgia para recuperar as pernas quebradas no atropelamento. Está animado e ansioso. É o filho querendo logo andar de novo para trilhar o caminho de volta até os braços da sua saudosa mãe.
Fonte: Ascom IGESDF – Edição: Pelágio Gondim