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“A CPI vai investigar o quê exatamente?”, questiona ministro da Justiça

Novo titular da pasta afirma que o governo federal agiu dentro das possibilidades no enfrentamento da pandemia e desafia a comissão parlamentar a realizar um trabalho técnico. Fiel discípulo do bolsonarismo, defende excludente de ilicitude e armas para a população

Há 30 dias no cargo, o novo ministro da Justiça não se furta a defender com vigor o chefe. Aos 44 anos, Anderson Torres é o primeiro brasiliense a ocupar a pasta. É, ainda o primeiro membro da Polícia Federal a comandar as forças de segurança pública no país. Mais do que a formação na área da segurança, é no alinhamento com o Palácio do Planalto que o novo integrante do governo federal se destaca. Essa identificação é evidente até para assuntos não diretamente ligados à Segurança Pública, como a pandemia de covid-19.

Para Anderson Torres, o governo de Jair Bolsonaro faz um trabalho louvável no enfrentamento da doença. “Uma morte é péssima. Ainda mais, quase meio milhão de mortes. É muito ruim. Mas a gente tem feito o que pode ser feito. Vivemos num país continental, desigual, um Brasil de muitos brasis, em que as coisas não são fáceis”, defende o ministro. A partir desse argumento, o chefe do Ministério da Justiça dispara o arsenal de críticas à CPI, definida como inoportuna e sem objeto. “A gente vai ver se é uma CPI política ou técnica, participei de três no Congresso Nacional, sei exatamente como funciona uma CPI. Agora, te pergunto: vamos investigar quem viabilizou os recursos para o combate à pandemia?”, questiona.

Acerca de temas ligados à segurança pública, Torres também assume posições contundentes, claramente em consonância com o chefe do Palácio do Planalto. Defende o excludente de ilicitude e está convencido de que o brasileiro tem direito, sim, de se armar como forma de proteção em um dos países mais violentos do mundo. E é frontalmente contrário à permanência, em Brasília, de chefes do crime organizado, como Marcola, preso em uma penitenciária da capital federal.

Próximo dos filhos do presidente, Torres está mergulhado nas ações da Esplanada. Por enquanto, o ex-secretário de Segurança Pública do DF não tem pretensões eleitorais para 2022. Mas avisa: “Não tenho medo nenhum de eleição”. A seguir, os principais trechos da entrevista com Anderson Torres.

Qual é a prioridade do novo ministro da Justiça?

Costumo começar pelo que tem que ser feito, pelo o que é prioritário na gestão. Estamos vivendo um momento de pandemia, um momento difícil, de solidariedade e de ajuda. E acho que a gente vai começar buscando políticas de Justiça e até a segurança pública, no sentido de ajudar e orientar a população brasileira até a gente sair dessa crise.

Setores da segurança reclamam da falta de uma coordenação geral. Como enxerga a situação?

Na questão do planejamento, essa doença pegou todo mundo muito de surpresa. As pessoas, às vezes, cobram uma resposta do Estado e o próprio Estado não tinha essa resposta. E até hoje acho que não há uma resposta exata. Qual a melhor saída? É o isolamento? Quem tem essa fórmula pronta? A covid está matando no mundo inteiro. A gente procurou no Distrito Federal e vai procurar aqui também organizar e orientar da melhor forma possível. Mas eu digo a você: não foi fácil. No Distrito Federal, por exemplo, há um ano, estávamos acertando aqui, errando ali, consertando. Não é tão matemático quanto parece. O país tem acertado muito no que tem feito e, apesar da tragédia das mortes, que todos nós lamentamos, temos conseguido vacinar uma quantidade muito grande de pessoas. Acredito muito que o caminho vai ser esse: a vacinação em massa para que a gente possa sair dessa crise.

O presidente insiste na ideia de convocar o Exército e a polícia para garantir o ir e vir. Como o Ministério da Justiça, defensor da lei e da ordem, vai lidar com essa postura do Planalto?

Com muita tranquilidade. Como você bem disse, somos defensores da lei e da ordem e vamos manter a lei e a ordem a todo custo. Acho que, realmente, a população já entendeu o que pode e o que não pode. Já estamos com mais de um ano de pandemia. O momento inicial, de ficar discutindo isso, já passou. O cidadão já entendeu que pode trabalhar. O que tem que ser coibido são abusos que as pessoas insistem em cometer, por exemplo, festas supernumerosas num momento difícil como esse. Agora, o trabalho, a circulação, o ir e vir da população, a gente vai garantir, vai manter. Isso é extremamente importante para o país.

O senhor tem conversado com os secretários de Segurança para estabelecer um diálogo nessas ações sobre o ir e vir?

Foi a primeira reunião que fizemos aqui. Chamamos os secretários de Segurança, meus companheiros de jornada até outro dia, discutimos vários assuntos aqui, o Fundo Nacional de Segurança Pública, pandemia, vacinação dos policiais… tudo isso foi tratado aqui com eles. A gente tem uma pauta bem extensa de pedidos deles e estamos trabalhando para ajudar os colegas do Estado.

Concorda, então, com as críticas do presidente às medidas restritivas?

De agora para frente, não é mais a solução. A gente já teve um momento inicial em que ninguém sabia o que era certo ou errado. Volto a dizer, ninguém tem essa receita até hoje. Mas, de agora para frente, o Brasil precisa andar. A crise não está pequena, está muito grande a crise financeira, o cidadão precisa voltar a trabalhar. Claro, que não tem ninguém aqui dizendo que não precisa tomar os cuidados necessários, mas o Brasil precisa funcionar.

Mas o Brasil não poderia ter reagido melhor? Afinal, estamos falando de 400 mil mortes.

Não concordo que o Brasil poderia ter reagido melhor. O Brasil reagiu na medida daquilo que o país tinha em mãos, daquilo que ele sabia. Se você pegar as porcentagens de mortes mundo afora, não estamos tão desproporcionais assim. A gente fez uma porcentagem de mortes. Não está tão ruim assim. Quer dizer, é péssimo, uma morte é péssima. Ainda mais, quase meio milhão de mortes. É muito ruim. Mas o que o Brasil poderia fazer, foi feito. Talvez a maior distribuição de recursos da história para estados e municípios.

O senhor fala de recursos, mas este não é o único papel do governo. É dever coordenar ações para auxiliar os estados.

Aí vamos entrar em questões judiciais, da autonomia dos governadores, do estado federado, vamos discutir aqui até amanhã. Na minha avaliação, o governo federal fez e vem fazendo a parte dele.

Mas o STF só deu aos governos estaduais autonomia para tomarem medidas.

Se eles decidiram desse jeito, o governo federal repassou os recursos. Falo isso com muita tranquilidade, eu estava num governo estadual. Para mim é muito fácil. Vi a importância dos recursos do governo federal no governo estadual para ele poder trabalhar. Volto a dizer a vocês, a autonomia de um governador, a capilaridade dele é muito maior. Não concordo e não acho certo culpar o governo federal pelo que está acontecendo.

O que acha da CPI da covid?

A gente tem que respeitar CPI. É uma comissão parlamentar de inquérito instaurada no Congresso Nacional. Não me cabe discutir. Mas eu gostaria de entender exatamente a finalidade, o que vai ser investigado. A CPI tem que ter um objeto concreto, vai investigar exatamente o quê? A gente vai ver se é uma CPI política ou técnica, participei de três no Congresso Nacional, sei exatamente como funciona uma CPI. Agora, pergunto: vamos investigar quem viabilizou os recursos para o combate à pandemia? Preciso entender melhor essa CPI.

A CPI é inoportuna?

Para mim, o momento é inoportuno. Estamos num momento de trabalhar no combate à pandemia. E as minhas dúvidas são exatamente o que vamos investigar. Vou esperar um pouco mais, acho que é muito cedo para opinar. A CPI acabou de começar, vamos ver os depoimentos, o que vai acontecer para a gente ter um panorama mais exato. Neste momento, é aguardar.

O governo não errou em Manaus?

É difícil opinar. No dia em que fui receber o primeiro lote de vacinas aqui para o Distrito Federal, vi na Base Aérea o oxigênio ser encaminhado para lá. Eu nem sabia o que era aquilo, uns cilindros enormes de oxigênio sendo encaminhados pelo governo federal. Agora, eu te pergunto: o governo local não estava vendo isso? Não viu que estava acabando (o oxigênio)? Eu te falo isso porque participei da gestão da pandemia no DF. Ali, no gabinete do governador. Não era minha pasta, não era minha área, mas eu via o que acontecia. Aqui, a gente correu na frente o tempo todo, na medida do possível, vacina, teste, tudo a gente correu na frente. Agora, o governo federal é que tem que sair daqui, ir lá para Manaus, saber que está acabando? Não temos como culpar, mas eu não estava no governo naquela época.

Como está o combate ao crime organizado e à corrupção, uma aposta tão cara ao ex-ministro Moro e que a gente não vê mais na vitrine do governo?

O combate ao crime organizado e aí, incluído o combate à corrupção, ao desvio de dinheiro, às organizações criminosas, essa é a pauta zero, zero um da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. No ano passado, a Polícia Federal bateu recorde de operações. Agora, talvez tenha sumido da mídia por causa da falta de grandes operações, por exemplo, a da Petrobras. E aí eu te digo que, realmente, as coisas melhoraram muito no Brasil de uns tempos para cá, em razão da diminuição desses casos no país. Isso é fato, não é segredo para ninguém. A PF tem feito operações todas as semanas de combate à corrupção. Mas grandes casos de corrupção, como foram esses que a gente viu, não foram mais identificados pela Polícia Federal.

A permanência de Marcola no presídio aqui, no DF, causa muita polêmica. A presença dele estende a atuação do crime organizado nessa região?

A gente acompanha isso desde a Secretaria de Segurança Pública do DF. Todas as vezes que essas organizações criminosas tentaram se instalar no Distrito Federal, a Polícia Civil agiu muito bem. Sempre tive postura contrária à permanência desses líderes de organizações criminosas aqui em Brasília. Isso não mudou. Continuo com essa posição e já conversei com a diretora do Depen (Departamento Penitenciário), e está sendo feito um estudo sobre como vamos trabalhar essa situação aqui.

Para a saída dele?

Não tenho nada contra o presídio, é importante para o governo federal e para o combate ao crime. Mas Brasília é uma cidade sui generis, que tem a sede dos Poderes, os Tribunais Superiores, mais de 200 representações diplomáticas aqui. São pessoas de outros países que acreditam no país como seguro. E Brasília tem a sede de tudo isso aqui. Então, Brasília continua sendo e vai ser para sempre um lugar que não pode ter esses líderes de organizações criminosas instalados por aqui. Essa minha opinião não muda.

Virão outras investigações da PF sobre corrupção na covid?

Há mais de 50 operações. Desde que cheguei aqui, hoje (quinta-feira) completa um mês. Como ministro da Justiça, procuro não me envolver com a Polícia Federal. A Polícia Federal é o doutor Paulo Maiurino que toca as investigações. Agora, referente às investigações que já ocorreram, são muito pertinentes. Sempre que a Polícia Federal trabalha assim, faz uma operação e dessa operação vem documentação, material que gera muitas vezes outras operações. Então, com base nisso, há que se esperar novas operações da PF nos estados, referentes à questão dos recursos federais que foram repassados, se eventualmente foram desviados ou a polícia tem alguma dúvida em relação a isso. O que nos cabe aqui é fomentar e proporcionar meios para que a PF cada vez mais atue e cada vez mais cumpra o seu papel.

O senhor é o primeiro delegado da PF a assumir o ministério e o primeiro brasiliense. Como se sente? É a Polícia Federal bem representada, ou não muda em nada a diretriz?

Acho que é um novo olhar para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Nunca teve um policial aqui. E também muito orgulho de ser brasiliense e ter chegado aqui nessa cadeira, que é muito importante para o nosso país. As perspectivas são as melhores possíveis. Tenho certeza absoluta de que a gente vai dar um redirecionamento aqui nas políticas públicas do ministério.

Qual política pública precisa de maior mudança?

A gente tem que cuidar da fronteira, do crime organizado. A gente tem que cuidar do Rio de Janeiro, que precisa de um olhar especial da segurança pública. A gente precisa cuidar do norte do país. Estão ocorrendo invasões de terras complicadíssimas, destruição de fazendas, pessoas sendo mortas. (Bandidos) escondidos atrás de movimentos sociais, mas isso não é movimento social. Movimento social não faz esse tipo de coisa, não mata ninguém, não destrói propriedade. Isso que está acontecendo é muito grave.

Que organizações são essas?

Não são facções criminosas de outros países. São brasileiras. A gente está indo para lá fazer essa investigação e vai trabalhar muito pesado nisso. A gente não concorda com esse tipo de destruição, com esse tipo de coisa. Isso fere de morte o direito à propriedade, do país, a produzir e a se desenvolver. Outra coisa que sempre falei: o sistema penitenciário brasileiro. Nesta quinta-feira, fui inaugurar o Centro de Detenção Provisória, uma obra difícil, que estava parada. Conseguimos chamar a segunda colocada, uma empresa portuguesa, que veio para Brasília, terminou a obra e, enfim, foi a inauguração. É importante para Brasília. Quando assumi, tinha 17 mil presos encaixotados ali dentro, na capital federal, a sete, oito quilômetros do Palácio do Planalto. Imagine como não está nos estados. Então, o Brasil precisa de uma política séria de cumprimento de pena. A gente precisa superar algumas questões de legislação, o preso precisa ter um destino, uma finalidade, alguma coisa para fazer. Enquanto não se resolver isso, não vai sanar o problema da segurança pública.

E isso passa pelo Congresso?

Provavelmente. A gente precisa de políticas públicas e legislação. Pretendo, no médio espaço de tempo, mandar um projeto de lei muito robusto ao Congresso com algumas mudanças importantes na legislação, principalmente nessa questão do cumprimento de pena, ressocialização de presos, algumas mudanças no Código de Processo Penal. Vamos tentar trazer coisas que foram derrubadas agora na questão do pacote anticrime também.

E o excludente de ilicitude?

O excludente de ilicitude, eu te digo: alguma coisa precisa acontecer. O policial não pode ficar mais com tanto medo de trabalhar como ele tem hoje. Falo isso porque eu sou policial. Não é como uns disseram, uma licença para matar. Não existe isso. É um excludente de ilicitude. O que pode acontecer: você pode errar no seu trabalho. Está certo que o erro do policial pode ser muito grave, mas ele precisa ter algum tipo de cobertura. Eu estou falando isso para 99,9% dos policiais brasileiros, que são honestos, pais de família. O policial sai de casa todo dia de manhã para trabalhar com medo, sem saber se vai, se não vai, se saca a arma, se não saca a arma, se usa uma algema, se não usa. Isso precisa ser resolvido de uma vez, ter legislação sobre isso, para que ele tenha uma segurança para trabalhar. E isso hoje não existe no Brasil. Então, o excludente de ilicitude veio nesse sentido quando foi criada, e a gente vai rediscutir isso muito em breve.

Mas não significa que um policial que mate no exercício da função vai preso, ou será punido. Apenas que serão apuradas as circunstâncias…

Ele é um policial. Precisa ter circunstâncias diferentes das de um cidadão comum. A arma de um policial é o instrumento de trabalho dele, não é um enfeite. É diferente. Não quero muitos entendimentos sobre o assunto. Eu quero: ‘Fez isso, acontece isso, isso e isso’.

Existe muita polêmica em relação à população se armar cada vez mais. Isso não o incomoda?

Sou totalmente a favor de o cidadão de bem poder ter o direito de ter uma arma de fogo em casa.

Por quê?

É um direito da população. Isso é defesa. Eu moro em casa, por exemplo. Se eu não fosse policial, faria questão de ter uma arma.

Mas não é um atestado de que não há segurança pública?

Acredito que não. É uma autodefesa. Vou fazer uma pergunta dentro da sua pergunta. Vivemos num Brasil de muitos Brasis, gigantesco. Tem localidades, propriedades rurais que ficam a 200, 300 quilômetros de um batalhão de polícia, de uma delegacia de polícia. Como o cara vai se defender? Ele não tem direito de se defender? Tem locais aonde a polícia não chega, não consegue chegar, cidades gigantescas, com efetivos difíceis. O cidadão de bem tem que ter o direito de se defender. Sou a favor de dar esse direito ao cidadão.

Não é perigoso?

O porte de arma de fogo é diferente da posse. O porte tem que ter todo um rigor para ser concedido. Agora, a posse de arma de fogo tem que ser concedida àquele cidadão de bem, que paga seus impostos, tem seus direitos, apresentou a papelada, cumpriu os requisitos, pode comprar a arma de fogo. É prioridade.

Mas, ministro, aí vem uma briga de trânsito, o cara puxa a arma e mata um.

É a exceção fazendo a regra. A senhora está indo na exceção. Esse que puxar e fizer isso vai ser preso, punido, condenado. Vai ter uma série de problemas.

Estudos afirmam que o maior acesso a arma aumenta a violência.

E tem estudo que fala o contrário. A estatística não fala isso. Eu sou muito bom de estatística.

Com ou sem estatísticas, o Brasil é um país violento. Se a população tem mais acesso a armas, isso vai diminuir a violência?

Não sei se vai diminuir a violência no Brasil. Isso é um estudo que a gente realmente precisa fazer, precisa analisar as estatísticas. Mas vai dar uma segurança para a vítima. O Brasil é um país violento em razão dos criminosos, e não das vítimas. É isso que estou querendo te dizer. É uma visão diferente do mesmo problema. O país é violento não por causa da vítima.

Mas não caberia às forças de segurança combater os criminosos, e não ao cidadão?

Cabe. Mas o Brasil não é um país violento? As forças de segurança não estão conseguindo cumprir… Apesar de que tem outro detalhe: ‘crime zero’ também não existe em lugar nenhum do mundo. O crime faz parte da história da humanidade, das relações humanas. Esqueça que nós vamos ter ‘crime zero’. O que está se discutindo é: poder ou não poder ter uma arma de fogo. O cidadão de bem tem que poder.

O senhor saberia indicar um país que trata essa questão de forma correta?

Não sei.

EUA, por exemplo?

Os EUA têm uma liberalidade muito grande no acesso a armas de fogo. Mas não vivi lá, estive lá uma vez só, não sei te dizer se funciona, se não funciona. Acho que isso aí você precisa de um dia a dia, precisa estudar, analisar. E eu não tenho esse estudo, não tem como eu te dizer.

Houve muita discussão sobre a saída do superintendente do Amazonas, Alexandre Saraiva. O senhor participou?

Da mesma forma que o presidente me colocou aqui com liberdade para mexer, o diretor-geral da PF está fazendo as mexidas que acha importantes. Uma coisa precisa ser dita: o superintendente é o representante da Polícia Federal naquele lugar. A PF tem uma política de não manter um superintendente mais que dois anos e meio na superintendência. Essa troca é natural e salutar. Até onde fiquei sabendo, o colega de Manaus estava lá há 3 anos e meio e há 10 anos andando na região Amazônica. O diretor-geral da PF resolveu trocar, como está trocando vários outros no Brasil.

Mas houve um problema ali: apreensão de madeira. Existem acusações sérias contra um ministro que estaria agindo a favor de madeireiros.

Há um problema e está sendo apurado. Tem inquérito instaurado. E a gente volta a falar de caso concreto. Não estou aqui para dar razão para o ministro nem para o delegado. Mas o que aconteceu ali vai ser apurado. Até onde fiquei sabendo, várias pessoas vieram a Brasília para fazer reclamação da Polícia Federal, do que estava acontecendo ali, e em razão disso o ministro resolveu ir in loco saber. Volto a dizer: eu não estava no governo, não sei o que foi feito, cheguei exatamente no meio dessa confusão. Não vou me manifestar porque tenho certeza de que, no momento oportuno, isso vai chegar aqui.

Uma das suas funções como ministro da Justiça é fazer interlocução com tribunais superiores. Como tem sido esse contato?

Muito bom, excelente. Já visitei vários ministros, temos algumas pautas em comum. A gente tem tido um bom trato com o Supremo, o STJ, Tribunal Superior do Trabalho, ministro do TSE esteve comigo aqui também.

Onde há necessidade de mudança na legislação?

Estamos com o Código de Processo Penal sendo discutido no Congresso. O deputado João Campos conversou conosco. Quero construir isso a muitas mãos, porque eu acho importante. Não pode ser uma coisa só do ministério, só do governo, tem que discutir e manter um bom relacionamento com todos eles.

André Mendonça, seu antecessor, fez uso da Lei de Segurança Nacional contra opositores do governo. Pretende usar esse expediente também?

Na verdade, a Lei de Segurança Nacional está em vigor, está sendo rediscutida no Congresso Nacional. Muito em breve o Congresso deve opinar, aprovar uma nova lei, enfim. Mas ela está em vigor. Aqui, o que nos cabe nesse momento é se chegar uma representação, ou todo e qualquer fato que chegar aqui, eu vou encaminhar à Polícia Federal. Vou deixar o juízo de valor — se houve crime, não houve crime, se foi Lei de Segurança Nacional, Código Penal — para quem vai apurar.

A Lei de Segurança Nacional está atingindo opositores e aliados, não? Tem um deputado federal bolsonarista preso.

Perfeitamente. Eu tenho a prerrogativa de requisitar instauração de inquérito policial daqui. Eu, ministro da Justiça. Mas, no nosso caso aqui, as representações que chegarem, a princípio, serão apenas encaminhadas à PF.

É problemático, então, o uso exacerbado desta lei?

Não acho problemático. É uma legislação que está em vigor.

Como é sua relação com o presidente? Ele ouve o senhor?

A gente se encontra sempre.

O senhor também tem uma relação próxima com os filhos do presidente, não?

Eu tenho uma relação de trabalho com eles de muito tempo. A gente se conheceu nos corredores da Câmara dos Deputados, a gente trabalhava perto. Havia muitas pautas em comum no Congresso Nacional, e a gente acabou criando uma relação de trabalho. Sempre foi uma relação de trabalho. As pessoas ficam falando ‘ah, é amigo’. Enfim, é direito de todo mundo falar o que quiser. Mas, assim, eu tenho uma relação de trabalho e confiança com eles. Agora, é claro, o presidente é meu chefe, eu despacho com ele duas vezes por semana, pelo menos.

Os problemas da Lava-Jato não colocam em dúvida o trabalho da PF?

O que está sendo discutido são procedimentos e algumas provas, algumas coisas já de uma fase mais avançada da Lava-Jato. Eu não estava na Polícia Federal, eu estava cedido nessa época. Não acompanhei por dentro da Lava-Jato. Agora, é uma operação gigantesca, com muitas provas, fatos descobertos ou provados pela Polícia Federal, aceitos pelo Ministério Público Federal, que ensejaram condenações em primeiro grau, segundo grau, e até terceiro grau. É difícil dizer sobre uma operação dessa. Por outro lado também, aí a gente precisa ser justo, e eu sempre digo isso: os fins não justificam os meios.

O que acha de uma lista tríplice para escolha de diretor-geral?

(Silêncio) Não concordo.

Por quê?

Porque a lista tríplice vem da associação, vem do sindicato. Aí você começa a misturar administração com sindicato, embola tudo e cada um não cumpre o seu papel como tem que cumprir. Eu fui da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, fui diretor parlamentar por oito anos. A associação é a favor (da lista tríplice), mas eu sempre, lá dentro, defendi que nunca fui a favor. Não acho isso certo.

Há interferência dos governos na Polícia Federal?

Zero. zero.

O presidente nunca lhe pediu nada?

Interferência? Zero.

E na superintendência? O critério deveria ser diferente? Alguma coisa ligada à carreira?

A Polícia Federal precisa de um plano de carreira. Sou a favor. Por que escolhi o doutor Paulo Maiurino? Voltei para o concurso de 1997, que é a turma dele. Eu podia ter pego um amigo da minha turma… Não. Voltei para onde a polícia não devia ter saído. É importante para uma instituição. A instituição não pode ter esses saltos gigantescos. Fica toda uma experiência para trás, e a gente vai sentir falta disso lá na frente. Isso desorganiza.

Ainda assim, o senhor escolheu um diretor com perfil político. Por que não um perfil técnico?

O Maiurino também é muito técnico. Ele teve uma vivência fora. Minha vivência fora da Polícia Federal, como gestor, foi fundamental. Dr. Paulo vai fazer uma grande gestão. E tem outra coisa, que as pessoas confundem muito: ele é o diretor-geral da Polícia Federal. Ele não toca inquérito. Insisto em dizer: voltei a Polícia Federal para a gestão, para a experiência, porque acho que a instituição estava precisando disso. Isso vai desandando uma série de coisas internamente. E o Paulo foi o cara que trabalhou no mensalão, no mensalão mineiro. Vai dizer que ele não é técnico?

O senhor diz que a interferência política é zero. Mas o presidente é muito presente no trabalho dos ministros. Não é contraditório?

Não. A interferência é zero, principalmente em nossa atividade funcional. Não existe. As pessoas falam “interferência em uma investigação”, “interferência em direcionamento”. Isso é zero. Nunca vi isso dentro da Polícia Federal. De 30 em 30 dias, um inquérito vai às mãos de um procurador da República, de um juiz, para pedir prazo. Talvez um dos instrumentos mais fiscalizados do Brasil seja um inquérito policial: com prazo, metas internas, controle externo, controle interno. Por isso eu digo que a interferência é zero. E tem outra coisa. Eu vejo outro momento na Polícia Federal. Vejo profissionais extremamente preparados, que jamais colocariam o cargo em risco. Agora, mudar o superintendente, mudar o diretor-geral… Isso nunca vai ser interferência.

Mas quando Moro saiu, ele disse haver uma tentativa de interferência em uma das superintendências, que foi trocada. Inclusive isso foi tratado na reunião ministerial de 2020.

É muito difícil julgar aquele momento. Eu não estava aqui, não sei o que o Moro quis dizer com aquilo. Agora eu conheço a Polícia Federal. Sou da Polícia Federal. Sei o que estou falando. Volto a dizer: trocar o superintendente, trocar o diretor-geral não é interferência quando muda a administração. Hoje uma lei garante que o delegado, no âmbito da investigação, não pode ser tirado. A Polícia Federal tem as amarras dela. Me diga outra instituição tão controlada quanto as polícias? Não tem. É Tribunal de Contas, Ministério Público, Corregedoria, Judiciário, contrainteligência. Não existe instituição mais vigiada do que essa.

Pretende fazer como seus antecessores e ter um protagonismo na escolha dos ministros do STF?

A escolha de um ministro do Supremo é decisão pessoal e muito importante para o presidente da República. O que eu pretendo ser, enquanto ministro da Justiça, é um grande assessor nessas escolhas. Não só dos ministros do Supremo; por aqui passam as listas dos tribunais superiores. Quero orientar no sentido de fazer a melhor escolha, tecnicamente falando.

E o concurso? Vai ter?

Não discuti isso com Paulo Maiurino. A PF formou duas grandes turmas agora, o que ajudou muito no efetivo. A PRF também. A política de gestão de pessoas tem que ser permanente. A gente precisa ter concurso, precisa de gente apta para formar e tomar posse. Vivemos uma dificuldade muito grande com isso na Polícia Civil do DF, um deficit muito grande de agente, escrivão. Soltamos o maior concurso da história da PCDF, mas foi adiado por causa da pandemia. É muito difícil. Instituições policiais e militares precisam sempre ter concurso em andamento. No que depender de mim, vai ter concurso.

O senhor tem 44 anos, é o primeiro brasiliense ministro e primeiro delegado de PF neste cargo. O que pensa para o seu futuro?

O meu futuro, eu não sei (risos). Pergunta cruel. Estou totalmente concentrado no ministério. Como disse, a gente está em um momento muito importante do governo, do país. É uma honra ocupar essa cadeira. O primeiro brasiliense… amo minha cidade. Sou aquele brasiliense nascido e criado aqui, que gosta daqui, que cresceu ouvindo Legião Urbana. Sou muito brasiliense; sou muito isso aqui. Estou muito feliz de estar aqui. Por isso quero estar concentrado. As pessoas costumam dizer que o futuro a Deus pertence. E é verdade.

Já está filiado a algum partido?

Fake news (risos). Saiu uma fake news que eu estava filiado a um partido gigante, e tal. Entramos na Justiça Eleitoral e mostramos que não sou filiado. E ainda demoraram para desmentir o negócio! Agora, por conta disso, onde eu ando na rua, me perguntam: “E aí? Federal, senador, governador…”

Então o senhor não vai se filiar a nenhum partido.

Não tenho medo nenhum de eleição. Só não é prioridade na minha vida.

Fonte: CB

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