*Por Alan Ghani
Na mídia e nos meios acadêmicos americanos, especulam-se várias hipóteses para a guerra tarifária de Trump contra diversos países. A melhora do déficit em transações correntes, a reindustrialização dos EUA, as disputas econômicas e geopolíticas com a China, um acordo cambial global, mantendo o dólar como a principal moeda internacional, são as causas apontadas pelos analistas para a cruzada protecionista do presidente americano.
Embora haja várias suposições sobre as intenções de Trump, uma coisa é certa: o presidente americano não enxerga as tarifas protecionistas como um instrumento exclusivo de política comercial.
Trata-se de uma alavanca para conseguir vantagens em outras áreas, conforme destacado pelo Secretário do Tesouro, Scott Bessent, durante uma entrevista coletiva: “as tarifas foram concebidas para nivelar o campo de jogo a que o sistema de comércio internacional comece a recompensar a engenhosidade, a segurança, o Estado de Direito e a estabilidade, e não a supressão salarial, a manipulação monetária, o roubo de propriedade intelectual, as barreiras não tarifárias, a regulamentação draconiana. O sistema internacional de comércio consiste em uma teia de relações militares, econômicas e políticas”.
De fato, a taxação de 50% para os produtos brasileiros só confirma as falas de Bessent. Trump sobretaxou o Brasil por questões que vão muito além do comércio. Embora o presidente tenha justificado a taxação pelas tarifas injustas impostas do Brasil contra os EUA, tal afirmação não se sustenta.
Se esse fosse o motivo real, então por que no Liberation Day, no último dia 2 de abril, o Brasil foi taxado no piso mínimo de apenas 10%? Inclusive, a fórmula apresentada para impor a tarifa baseava-se no tamanho do déficit americano contra os demais países. Acontece que os EUA são superavitários em relação ao Brasil.
Além disso, de acordo com a Amcham, as tarifas médias efetivas praticadas do Brasil contra os EUA são de 2,7%, enquanto as americanas, para nós, ficam em 2,2%. Esses números mostram que, na prática, há uma relação justa quanto às relações comerciais entre ambos.
Os fatos mencionados mostram que as relações comerciais entre EUA e Brasil estão longe de serem injustas, confirmando que a tarifa de 50% imposta por Trump está ligada a outro fator: a nossa aproximação com a China.
Antes mesmo de ser eleito, em entrevista para a Fox News, no dia 8 de novembro de 2024, Trump já externaliza sua preocupação com a China. Na ocasião, Trump disse que “a China quer mudar o padrão monetário, e se isso acontecer é como perder uma guerra mundial. Seremos um país de segunda linha”.
A visão de que a China é uma ameaça para os EUA é compartilhada pelo Deep State americano, que não admite que nenhum outro país ameace militar ou economicamente a hegemonia americana, conforme destacado no artigo “Revising U.S. Grand Strategy Toward China” escrito em 2015 por Robert Blackwell e Ashley J. Tellis para o Council on Foreign Relations.
Sob esse contexto, Trump sobretaxou o Brasil justamente pela aproximação do atual governo com a China por meio dos Brics.
Na última cúpula dos Brics, a qual o Brasil presidiu, Lula fez críticas à administração Trump e tocou num ponto muito sensível ao presidente americano: a utilização de outra moeda sem ser o dólar para as transações econômico-financeiras.
Nas palavras de Lula: “Obviamente que nós temos todas as responsabilidades de fazer isso com muito cuidado. Os nossos bancos centrais precisam discutir isso com os bancos centrais dos outros países. Mas é uma coisa que não tem volta. Isso vai acontecendo aos poucos, vai acontecendo, até que seja consolidado”.
O que Lula disse já havia sido antecipado por Trump na entrevista à Fox News mencionada anteriormente. O presidente americano disse: “Estamos perdendo o Brasil, Colômbia, a América do Sul, o Irã; nós perdemos a Rússia, e a China está ganhando”.
Baseado na própria fala de Trump, taxar o Brasil em 50% é uma forma de distanciar o país da China por conta da ameaça de substituição do dólar via Brics
Além dessa questão, há também o apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Basicamente, Trump disse que o ex-presidente do Brasil é um perseguido político, que sofre nas mãos de uma ditadura do judiciário, e também por isso, taxou o Brasil em 50%.
Em resumo, Trump não taxou o Brasil pelas relações comerciais com os EUA, mas principalmente pelo apoio geopolítico e ideológico da administração Lula à China, com risco de não utilizarem mais o dólar como moeda nas transações econômico-financeiras, o que fere frontalmente os interesses norte-americanos.
Em menor grau, o aumento também é justificado pelo apoio de Trump a Bolsonaro. Com as tarifas de 50%, o recado de Trump é claro: fiquem longe ideológica e politicamente da China, e libertem Bolsonaro de uma possível condenação injusta.
É a Doutrina Monroe aplicada por Donald Trump. Em vez da Europa, agora é impedir a interferência chinesa em assuntos americanos.
*Alan Ghani – Alan Ghani é doutor em Finanças pela FEA-USP com passagem pela University of Texas at San Antonio como professor e pesquisador. É também economista-chefe da MSX, comentarista da Jovem Pan News e professor de pós graduação. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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