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Crise entre os poderes revela desequilíbrio institucional

O recente episódio envolvendo o aumento do IOF revela uma preocupante tendência do governo federal: a de atropelar o Legislativo e recorrer ao Judiciário sempre que é contrariado. Ao classificar como “absurda” a decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de pautar e aprovar a derrubada do decreto presidencial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não apenas desconsidera o papel do Congresso Nacional, mas rebaixa a importância do voto popular que legitimou a atuação de deputados e senadores.

O Congresso — eleito democraticamente e representante direto da população — entendeu, por maioria, que o decreto editado pelo Executivo feria os limites da razoabilidade e da negociação política. Mesmo assim, Lula recorreu ao Supremo Tribunal Federal, por meio da Advocacia-Geral da União, na tentativa de sustentar juridicamente um ato que não encontrou respaldo entre os parlamentares. Na prática, transformou o STF em instância revisora de decisões políticas, submetendo-o a um embate que deveria ser resolvido no terreno da articulação e do respeito entre os Poderes.

A ação direta ao Supremo representa mais que um conflito institucional: escancara a dificuldade do governo em lidar com os limites do presidencialismo democrático. O Executivo tem o direito de propor medidas, mas não pode impor sua vontade ao arrepio da Constituição ou do debate parlamentar. O Brasil vive sob o regime dos freios e contrapesos, e não sob a lógica de “quem pode mais”.

Ao se queixar de pressões de “bets, fintechs e talvez do sistema financeiro”, Lula tenta reduzir o Congresso a um balcão de interesses menores, ignorando que parlamentares também respondem à opinião pública, às suas bases eleitorais e à própria responsabilidade fiscal. Nenhum acordo feito “à meia-noite de um domingo”, por mais simbólico que seja, pode se sobrepor ao rito constitucional da deliberação legislativa.

O mais preocupante, no entanto, é o discurso que relativiza a autonomia dos Poderes. Como se fosse aceitável transformar o Judiciário em terceira via constante diante de qualquer impasse político. Isso esconde um vício perigoso: o de transferir ao STF o papel de árbitro permanente, esvaziando o peso institucional do Congresso e a própria essência do voto.

Se o presidente pretende manter relações republicanas com o Legislativo, deve aceitar que acordos não têm o mesmo valor de leis. E que, mesmo sendo chefe do Executivo, sua vontade pode — e deve — ser contestada pelos representantes do povo, ainda que isso contrarie sua agenda.

Recorrer ao Supremo não é estratégia de mediação; é fuga do debate. É o sintoma de um governo que prefere o caminho monocrático da caneta à negociação coletiva das urnas. A democracia exige convivência com o contraditório, respeito ao processo legislativo e, acima de tudo, humildade institucional.

Enquanto o Planalto insistir em transformar o STF em válvula de escape para suas derrotas políticas, estará minando a legitimidade do Parlamento e, por consequência, enfraquecendo o próprio tecido democrático. E o maior derrotado, ao fim, será o eleitor.

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