A prisão do ex-presidente Fernando Collor de Mello, consumada nesta sexta-feira (25) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, apresenta semelhanças e diferenças no trato dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com relação ao caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e também no que diz respeito ao processo em curso contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Enquanto livrou Lula e vários outros investigados na Lava Jato de todas as condenações e acusações que respondia, o STF deu sequência ao processo contra Collor, que teve origem na mesma operação, concentrada na corrupção dentro da Petrobras.
A principal diferença entre um caso e outro é que, em relação a Lula, os processos começaram na primeira instância da Justiça e subiram até chegar ao STF, que anulou tudo o que havia sido feito nas demais instâncias. No caso de Collor, o processo começou e terminou na Corte Suprema – é a mesma situação de Bolsonaro, o que torna muito mais difícil uma reviravolta, como ocorreu com Lula.
O Supremo anulou as condenações de Lula por entender, em primeiro lugar, que o ex-juiz Sergio Moro não tinha competência para analisar o caso na 13ª Vara Federal de Curitiba – o entendimento do ministro Edson Fachin, que primeiro anulou as sentenças, era de que os atos de corrupção investigados não se relacionavam apenas à Petrobras, e por isso o caso deveria ter tramitado desde o início em Brasília.
Depois, a maioria dos ministros ainda anulou a própria investigação dos casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e do Instituto Lula, por entenderem que Moro, que havia autorizado a coleta de provas, não tinha imparcialidade para supervisionar o inquérito. Por fim, a pedido de Lula, a Corte ainda anulou as provas entregues pela Odebrecht em seu acordo de leniência, com base em mensagens que os procuradores trocavam entre si e de algumas entre Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol.
As conversas foram captadas ilegalmente por hackers, mas acabaram validadas pelo STF depois que a Polícia Federal apreendeu o material na investigação sobre a invasão dos celulares. Esses arquivos foram usados por dezenas de outros investigados na Lava Jato – incluindo políticos, empresários, lobistas, doleiros e operadores de propina – para anular seus processos, com base na tese, endossada pelo próprio STF, de que teria ocorrido um conluio entre Moro e a força-tarefa da Lava Jato com propósitos políticos.
Em raros casos, como o de Collor, esse entendimento não foi aplicado. Além da tramitação única dentro do STF, alguns detalhes distinguiram seu caso do de Lula e outros políticos investigados pelo esquema de corrupção na Petrobras.
No processo contra Collor, o esquema se concentrava na BR Distribuidora, uma subsidiária, onde o ex-presidente havia conquistado influência para direcionar contratos de construção de bases de distribuição para a UTC Engenharia. A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) o acusou de receber R$ 20 milhões em propina.
Ainda segundo a PGR, Collor obteve ascendência sobre a BR pelas mãos de Lula, em 2009, quando o petista encerrava seu segundo mandato na Presidência da República. Collor era senador e ganhou projeção sobre a BR, indicando diretores para a empresa, em troca de apoio político para o governo no Congresso.
Era, basicamente, o mesmo esquema que enriqueceu vários outros políticos investigados na Lava Jato: em troca de votos no Congresso, eles indicavam executivos na Petrobras que cobravam propina das empreiteiras, as quais – atuando num cartel – dividiam entre si serviços e obras monumentais.
Muitos desses investimentos eram baseados em planos duvidosos ou temerários para os negócios da estatal, mas sempre com preços exorbitantes, próprios para gerar “caixa extra” – propina – para todos os atores envolvidos no esquema: executivos, empresários, lobistas, políticos, partidos, operadores e doleiros.
Lula foi condenado, mas penas foram extintas pelo STF
Lula foi condenado porque teria não apenas permitido a montagem e manutenção desses esquemas, mas também se beneficiado com a reserva e reforma de um apartamento triplex em Guarujá (SP), bem como melhorias no sítio da família em Atibaia (SP), tudo bancado pela Odebrecht e OAS, segundo seus executivos contaram em acordos de delação premiada. As condenações foram confirmadas na segunda instância e, no caso do triplex, também no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O petista foi preso em 2018 na mesma modalidade de Collor: para iniciar o cumprimento da pena, em regime fechado. A diferença é que, naquela época, o STF permitia a execução da pena após a condenação em segunda instância – no caso de Lula, esse entendimento foi confirmado pouco antes de o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) rejeitar o segundo e último recurso que ele tinha direito de apresentar ao próprio tribunal de segunda instância.
Esse entendimento caiu em 2019, quando então Lula foi solto e passou a recorrer em liberdade, junto de outras dezenas de políticos e réus na Lava Jato. As penas foram extintas em 2021, nos julgamentos do STF que anularam as condenações por incompetência e suspeição de Moro.
Collor também foi preso para iniciar o cumprimento da pena, no caso, de 8 anos e 10 meses – o regime é inicialmente fechado, mas pode progredir para o semiaberto quando ele completar 1/6 da pena, daqui um ano e cinco meses, aproximadamente (ele ainda pode sair antes se comprovar estudo ou trabalho durante a prisão).
Bolsonaro é réu por suposto golpe de Estado
No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, ele é réu por cinco crimes relacionados a um susposto golpe de Estado e não por corrupção. Os crimes são organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado; tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Bolsonaro ainda é acusado de liderar a organização criminosa.
Se houver condenação, as penas de Bolsonaro podem ser bem maiores: os cinco crimes pelos quais se tornou réu têm penas que, somadas, ultrapassam os 30 anos de prisão. O tamanho exato da punição só é calculada ao final do processo, na fase de dosimetria, na qual os julgadores ponderam sobre agravantes e atenuantes.
Assim como Collor, Bolsonaro, se condenado, também deve começar a cumprir a pena após a rejeição dos “segundos embargos de declaração” – é o nome dado ao recurso que é apresentado no próprio STF e que serve para sanar eventuais omissões, contradições e obscuridades da condenação. Pelo atual entendimento do STF, em geral, quando o segundo recurso desse tipo é negado, começa a execução da pena.
Houve uma diferença no caso de Collor: a execução da pena foi determinada após a rejeição dos terceiros embargos de declaração por Alexandre de Moraes, relator do processo. A análise dos embargos cabe ao colegiado que julgou o processo, o plenário ou uma das duas turmas do STF. A condenação do ex-presidente Fernando Collor foi proferida pelo plenário, composto pelos 11 ministros, que rejeitaram os segundos embargos de declaração. Eles deverão se reunir novamente para referendar ou não a decisão de Moraes, o que não impede, de qualquer modo, o início da execução da pena.
No caso de Bolsonaro, o julgamento da ação penal e de eventuais recursos caberá à Primeira Turma do STF, composta por Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Em março, eles votaram de forma unânime para receber a denúncia contra o ex-presidente e, com isso, torná-lo réu numa ação penal.
Se houver divergências no julgamento final, principalmente em relação à culpa em cada um dos crimes, aumentam as chances de êxito em eventuais recursos, inclusive para pleitear uma absolvição. Trata-se, porém, de uma possibilidade hoje considerada remota no STF – atualmente, Fux é o único ministro que tem apresentado ressalvas e algumas divergências em relação aos votos de Moraes na Primeira Turma, porém tímidas e insuficientes para grandes reviravoltas.
Além de consolidar a jurisprudência do STF sobre o cumprimento de penas, o desfecho do processo de Collor também serve como preparação para uma eventual condenação e prisão de Bolsonaro, também ex-presidente.
O que diz a defesa de Collor
Em nota divulgada na quinta-feira (24), a defesa de Collor disse que recebeu “com surpresa e preocupação a decisão proferida […] pelo e. Ministro Alexandre de Moraes, que rejeitou, de forma monocrática, o cabível recurso de embargos de infringentes apresentado em face do acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, nos autos da AP 1025, e determinou a prisão imediata do ex-presidente”.
“Ressalta a defesa que não houve qualquer decisão sobre a demonstrada prescrição ocorrida após trânsito em julgado para a Procuradoria Geral da República. Quanto ao caráter protelatório do recurso, a defesa demonstrou que a maioria dos membros da Corte reconhece seu manifesto cabimento. Tais assuntos caberiam ao Plenário decidir, ao menos na sessão plenária extraordinária já designada para a data de amanhã [hoje, sexta-feira]”.
A nota dizia ainda que o ex-presidente Fernando Collor iria se apresentar para o cumprimento da prisão, “sem prejuízo das medidas judiciais previstas”.
Collor foi preso nesta sexta (25), em Maceió (AL), por volta das 4h da manhã, no aeroporto da capital alagoana. Ele se preparava para ir a Brasília para se entregar voluntariamente à Polícia Federal para cumprir a determinação de Moraes.
“O ex-presidente Fernando Collor de Mello encontra-se custodiado, no momento, na Superintendência da Polícia Federal na capital alagoana. São estas as informações que temos até o momento”, disse a defesa dele em nota.
Posteriormente, o ministro do STF aceitou o pedido da defesa de Collor para o cumprimento da pena em Maceió e não em Brasília. Moraes determinou que o ex-presidente seja levado para uma ala especial de um presídio da capital alagoana.
“O início de cumprimento de pena de reclusão de Fernando Affonso Collor de Mello, em regime fechado, na Ala Especial no Presídio Baldomero Cavalcanti de Oliveira, em Maceió/AL. Em face de sua condição de ex-Presidente da República, observo que o cumprimento da pena na ala especial do referido presídio, deverá ser em cela individual”, escreveu o magistrado.
Mas o advogado de Collor também havia pedido que a prisão em regime fechado fosse convertida em prisão domiciliar. Os motivos citados foram a idade avançada, 75 anos, e o fato de ele possuir “comorbidades graves”, como doença de Parkinson, apneia do sono grave e transtorno afetivo bipolar.
A defesa afirmou também que ele necessita de uso diário de medicações, de um equipamento chamado de CPAP para tratar da apneia do sono, e realizar visitas médicas especializadas periódicas.
Na noite de sexta, o STF formou maioria para manter Collor preso no julgamento realizado no plenário virtual. Mas o ministro Gilmar Mendes pediu destaque e o caso será reavaliado no plenário físico da Corte.
Por Renan Ramalho – Gazeta do Povo