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Moraes extrapola atribuições e interfere na diplomacia brasileira em caso de extradição

Juristas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), interveio em ações exclusivamente diplomáticas que deveriam ser conduzidas pelo Itamaraty, órgão do Poder Executivo, ao ameaçar suspender o pedido de extradição do búlgaro Vasil Vasilev feito pela Espanha. A ação de Moraes ocorreu em resposta à decisão da Justiça espanhola de recusar a extradição do jornalista Oswaldo Eustáquio ao Brasil. O ministro alega falta de reciprocidade entre os países.

Ao invés de acionar os canais diplomáticos brasileiros, Moraes enviou uma intimação para a embaixada da Espanha. Analistas ouvidos pela reportagem divergem sobre a legalidade dessa ação, pois embaixadores têm imunidade diplomática e Moraes poderia desencadear uma crise internacional com a atitude.

Para o constitucionalista André Marsiglia, a decisão do ministro é equivocada por diversos ângulos. “Primeiro porque quem trata de extradição não é o STF, é o governo federal. O STF julga se essas extradições são ou não constitucionais, mas ele não resolve quem vai ser ou não extraditado. Quem faz isso é a diplomacia”, destaca. Ele reforça que, com isso, o STF fere as prerrogativas de função da Presidência da República e da diplomacia brasileira.

“Em segundo lugar, a alegação do STF que teria sido ferida a reciprocidade prevista no tratado de extradição entre Espanha e Brasil não é correta. Embora o tratado fale da necessidade de reciprocidade, ou seja, se extradita de lá para cá, tem que extraditar daqui para lá, essa reciprocidade não é irrestrita. Há exceções. E uma das exceções é justamente quando se considera que o crime é político e eles [Corte espanhola] consideraram que o crime [ao qual Eustáquio foi condenado] é político”.

O especialista também avalia que outra exceção à extradição é quando o fato não é crime nos dois países. “E eles também consideraram que não é crime lá, porque entenderam que o que fez o Eustáquio foi liberdade de expressão e não é crime na Espanha. Isso é uma exceção à reciprocidade”.

O constitucionalista também afirma que, ao travar no Brasil a extradição de alguém para a Espanha, a reciprocidade está sendo ferida pelo Brasil e por meio do STF. “O que é mais grave, porque ele não pode falar em nome do governo e nem do Estado”, reforça. Apesar disso, por ora, ele não enxerga risco de impasses diplomáticos entre os países.

Marsiglia tem alertado, com frequência, sobre a invasão de atribuições do ministro às prerrogativas dos poderes Executivo e Legislativo e agora também na esfera da diplomacia.

O advogado Luiz Augusto Módolo, doutor em Direito Internacional, alerta que não faz sentido a determinação do ministro Alexandre de Moraes. “Em princípio, ele não deveria ter maior interesse no processo do Oswaldo Eustáquio. Quem deveria ter interesse no pedido [de extradição] é a PGR [Procuradoria-Geral da República] e se a extradição fosse negada, paciência.

“O ministro tira da pilha um processo que é de interesse da Espanha [no caso do búlgaro] para fazer uma diplomacia com usurpação de funções do Itamaraty. É o Itamaraty quem precisaria ver se há alguma violação dos tratados de extradição”, avalia.

O jurista critica ainda o risco de uma pessoa acusada de ser traficante internacional sair impune apenas para Moraes “passar algum recado para a Espanha, que lhe deu uma lição de direito constitucional”.

Módolo lembra que o Brasil é signatário de tratados sobre repressão ao crime e que há requisitos da extradição que precisam ser cumpridos quando se trata de um suspeito de tráfico de drogas. Nesses casos, na visão dele, há o poder/dever de extraditar.

Os juristas explicam que o juiz que deferirá a extradição não se aprofunda no crime cometido fora do país. Ele só a nega no caso de ter um motivo forte para essa decisão – se considerar que o extraditado sofrerá perseguição política no país para o qual será enviado, por exemplo.

O advogado, no entanto, acredita que a decisão do ministro cria o risco de um impasse diplomático entre Brasil e Espanha. Ele reforça que negar a extradição de um suposto traficante gera descrédito e o “Brasil passa o recado que é pouco confiável em cooperação internacional”.

“Sem contar que representantes diplomáticos têm imunidade. Ele não pode intimar um embaixador a se explicar. Um embaixador, com sua imunidade diplomática, não é obrigado a responder [a um ministro do STF]. O ministro vai aplicar multa ou prender o embaixador espanhol no Brasil caso não o responda?”, completou.

Alexandre de Moraes determinou, na decisão proferida na terça-feira, que o embaixador da Espanha no Brasil apresente, em até cinco dias, informações que comprovem a reciprocidade no acordo de extradição entre os dois países. A justiça espanhola recusou a extradição do jornalista Oswaldo Eustáquio ao Brasil sob a justificativa de “motivação política”.

Por Juliet Manfrin – Gazeta do Povo

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