- PUBLICIDADE -

Tagliaferro discutiu com Eustáquio sair do Brasil; mensagens confirmam contato

Depois que passou a ser investigado por Alexandre de Moraes, por supostamente vazar para a imprensa conversas com a equipe do ministro, o perito judicial Eduardo Tagliaferro teve contato com o jornalista Oswaldo Eustáquio, que deixou o Brasil para buscar asilo político na Espanha alegando perseguição por parte do magistrado.

Mensagens de WhatsApp inéditas, captadas pela Polícia Federal a partir de uma quebra de sigilo telemático no celular de Tagliaferro e de sua mulher e acessadas pela Gazeta do Povo, revelam uma conversa por videochamada dele com Oswaldo Eustáquio. Numa conversa entre os dois, divulgada no fim de março pelo jornalista português Sérgio Tavares, Eustáquio sugeriu a Tagliaferro meios de se manter fora do Brasil. Já o perito mencionou a preocupação com o sustento de sua família. Sobre a questão, a defesa de Tagliaferro diz que ele não cogita atualmente deixar o Brasil. (Leia mais ao final desta reportagem.)

Imagens dessa reunião virtual foram enviadas pela mulher de Tagliaferro a ele, em duas mensagens, em 2 de setembro de 2024 (veja abaixo). Duas semanas antes, Moraes havia aberto uma investigação sobre o perito para descobrir se ele havia vazado conversas com outros de seus auxiliares, que mostravam como o ministro encomendava relatórios de Tagliaferro para censurar críticos nas redes sociais.

Entre agosto de 2022 e maio de 2023, Tagliaferro chefiou a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), órgão criado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para monitorar postagens de críticos da atuação da Corte, do Supremo Tribunal Federal e do próprio Moraes. Na época do contato com Oswaldo Eustáquio, a investigação da PF contra Tagliaferro pelo suposto vazamento estava no começo.

Em 12 de setembro de 2024, Tagliaferro pediu à mulher, pelo WhatsApp, que lhe enviasse o contato de Oswaldo Eustáquio, e ela respondeu com um número de uma linha de celular que o jornalista tinha na Inglaterra. Não fica claro, nas mensagens, o teor da conversa entre os dois.

Eustáquio é investigado há anos por Alexandre de Moraes, que já determinou sua prisão no âmbito do inquérito das “fake news”. Nesta semana, a Justiça da Espanha negou um pedido do ministro para extraditar o jornalista, apontando “evidente ligação e motivação política, uma vez que [as investigações] são realizadas no quadro de uma série de ações coletivas de grupos que apoiam o Sr. [Jair] Bolsonaro, ex-presidente da República Federativa do Brasil e oposição ao atual presidente Sr. Lula da Silva”.

Na noite desta terça (15), em resposta a essa decisão, Moraes suspendeu o processo de extradição, feito pela Espanha ao STF, contra um cidadão búlgaro acusado de tráfico de drogas no país europeu. O ministro alegou “reciprocidade”, mandou soltar da cadeia Vasil Georgiev Vasilev e ainda cobrou explicações do embaixador espanhol no Brasil.

Em videochamada com Oswaldo Eustáquio, Tagliaferro cita preocupação com a família

Na investigação sobre Tagliaferro no STF, a Polícia Federal também juntou, no início de abril, duas gravações de uma conversa por videochamada entre o perito e Oswaldo Eustáquio. Nos vídeos, divulgados nas redes pelo jornalista português Sérgio Tavares, Eustáquio sugere a Tagliaferro meios de se manter fora do Brasil.

“Vamos encontrar uma maneira legal, moral, de você ter o teu dinheiro, fazer as tuas coisas, porque precisa de recurso para fugir, precisa de recurso para se manter. Esse povo é um povo muito perigoso, você sabe disso. E tamo junto, cara. Eu tô do teu lado hoje, conte comigo. Qualquer coisa que você precise, dar publicidade, não tenha vergonha, não tenha medo, pode ir”, disse o jornalista ao perito.

Em outro momento da conversa, Tagliaferro diz ter preocupação com sua família. “A minha única preocupação aqui, eu não tenho problema nenhum, é de como manter minha família. Porque eu com 1.500, 2.000 euros, eu sobrevivo”, disse. “Com 2.500 euros eu alugo uma bela duma casa. Ó, tem casa no sul da Calábria [na Itália] vendendo por 50 mil euros”, disse ainda Tagliaferro a Eustáquio.

Na primeira reportagem sobre as novas mensagens de Tagliaferro, a Gazeta do Povo revelou que Tagliaferro tinha medo de Moraes. “Se eu falar algo, o Ministro me mata ou me prende”, escreveu o perito, em 31 de março de 2024, para a sua esposa, numa mensagem de WhatsApp. No diálogo, ele manifestou o desejo de “contar tudo de Brasília” antes de morrer. “Minha vontade, é chutar o pau da barraca, jogar tudo para o alto”, escreveu Tagliaferro.

Em várias mensagens captadas pela PF, antes e depois do contato com Eustáquio, Tagliaferro menciona à mulher a possibilidade de deixar o Brasil. Essas mensagens, no entanto, aparecem em tom de desabafo ou desejo, em contexto ligados a questões pessoais, não relacionadas ao inquérito de que o perito era alvo.

A Gazeta do Povo entrou em contato com a defesa de Eduardo Tagliaferro para entender o contexto e o teor das conversas com Oswaldo Eustáquio. Em resposta, um dos advogados do perito, Igor Lopes, afirmou que Tagliaferro “não cogita deixar o país”.

“Quaisquer sugestões, de quem quer que seja, jamais foram levadas a efeito. Confiamos na justiça, sabemos que as tentativas de manchar seu trabalho técnico, ético e honesto não vão prosperar. No que tange a nomes sugeridos acima, não podemos ainda confirmar tendo em vista que tais situações não passaram pelo crivo da defesa”, disse, em nota enviada à reportagem.

Os vídeos da conversa entre Eduardo Tagliaferro e Oswaldo Eustáquio foram divulgados nas redes sociais no fim de março. No dia seguinte, o perito divulgou um vídeo declarando que era “fake news” a possibilidade de ele deixar o Brasil. O indiciamento pela Polícia Federal foi enviado ao STF logo em seguida, imputando a ele o crime de violação de sigilo funcional com dano à administração pública, cuja pena vai de 2 a 6 anos de prisão.

O relatório final da investigação foi enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem cabe agora decidir se denuncia o perito ou arquiva o caso, se entender que não há crime ou indícios suficientes de autoria. Nesta semana, a defesa de Tagliaferro esteve no órgão para se defender do indiciamento.

As novas mensagens de Tagliaferro, até então desconhecidas e reveladas nesta semana pela Gazeta do Povo, foram disponibilizadas publicamente pela PF, numa pasta pública na internet, no início de abril.

Um link e um endereço virtual da pasta contendo arquivos das conversas foram informados dentro de um relatório da investigação com a análise dos dados extraídos do celular de Tagliaferro – a quebra do sigilo telemático foi autorizada por Moraes em novembro.

O material ficou disponível por quase duas semanas e foi retirado do ar após a reportagem da Gazeta do Povo questionar a PF sobre a disponibilização – em tese, conversas privadas sem relação com o crime investigado ficam em sigilo.

Nesta quarta-feira (16), ao tentar acessar novamente o material, os arquivos das conversas estavam fora da pasta da PF na internet.

A corporação foi questionada sobre a disponibilização e retirada dos arquivos, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem. Também foram enviados questionamentos, por meio da assessoria do STF, ao ministro Alexandre de Moraes, sobre eventual falha no procedimento, mas não houve resposta.

Por Renan Ramalho – Gazeta do Povo

- PUBLICIDADE -
- PUBLICIDADE -

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

- PUBLICIDADE -