O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes mandou suspender, nesta sexta-feira (30), a rede social X no Brasil. A decisão, que afeta mais de 22 milhões de usuários da plataforma, foi tomada após o bilionário Elon Musk, dono da rede social, não obedecer a uma intimação de Moraes feita em mensagem no próprio X, na noite de quarta-feira (28).
A rede social ainda estava no ar às 16h50, já que a decisão deverá ser cumprida em até 24 horas. O ministro notificou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), responsável por comunicar as operadoras de internet sobre a determinação, que terão cinco dias para retirar a plataforma do ar no país. Com isso, a suspensão não é imediata.
A derrubada da plataforma X no Brasil, na visão de juristas, coloca a ordem jurídica do país em uma encruzilhada, tornando praticamente ilusória a existência de algumas garantias constitucionais no país. Musk não cumpriu a ordem de Moraes, de definir um representante legal no Brasil, após a antiga executiva da plataforma ser ameaçada de prisão pelo ministro e ter suas contas bancárias bloqueadas (leia mais abaixo).
O magistrado apontou na decisão que, além dos recorrentes descumprimentos de ordens judiciais, o X tenta “não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros, para instituir um ambiente de total impunidade e ‘terra sem lei’ nas redes sociais brasileiras”.
Segundo Moraes, a plataforma foi instrumentalizada, “por meio da atuação de grupos extremistas e milícias digitais nas redes sociais, com massiva divulgação de discursos nazistas, racistas, fascistas, de ódio, antidemocráticos, inclusive no período que antecede as eleições municipais de 2024”.
Dessa forma, o ministro determinou a “suspensão imediata, completa e integral do funcionamento do ‘X Brasil Internet Ltda’ em território nacional, até que todas as ordens judiciais proferidas nos presentes autos sejam cumpridas, as multas devidamente pagas e seja indicado, em juízo, a pessoa física ou jurídica representante em território nacional”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) concordou com a determinação do ministro. Em manifestação encaminhada à Corte, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que “ordem judicial pode ser passível de recurso, mas não de desataviado desprezo”.
“Estão preenchidos os pressupostos para a aplicação plena das medidas anunciadas como consequência da insubmissão às ordens provindas do Supremo Tribunal Federal. Não há o que impeça a sua aplicação”, acrescentou.
Usuário que tentar acessar X por VPN será multado em R$ 50 mil por dia
Na decisão, Moraes determinou que qualquer pessoa ou empresa que use “subterfúgios tecnológicos”, como VPNs para acessar o X, será multado em R$ 50 mil por dia. Além da multa, os usuários poderão sofrer “sanções civis e criminais”.
“A aplicação de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) às pessoas naturais e jurídicas que incorrerem em condutas no sentido de utilização de subterfúgios tecnológicos para continuidade das comunicações ocorridas pelo ‘X’, tal como o uso de VPN (‘virtual private network’), sem prejuízo das demais sanções civis e criminais, na forma da lei”, escreveu Moraes.
Moraes aponta conduta “fora da lei” de Musk
Para o ministro, a conduta de Musk, ao encerrar as operações da rede social no Brasil, tem a “criminosa” finalidade de não cumprir as determinações judiciais brasileiras.
Com isso, segundo Moraes, o bilionário se coloca “em um patamar de fora da lei, como se as redes sociais fossem terra de ninguém, verdadeira terra sem lei, representa gravíssimo risco às eleições municipais de outubro próximo”.
Moraes considerou que a tentativa do X de colocar-se fora da jurisdição brasileira, com a extinção da empresa nacional, vai potencializar a “massiva divulgação de mensagens ilícitas”, inclusive durante o período eleitoral de 2024, “possibilitando gravíssimos atentados à democracia”.
“O Supremo Tribunal Federal fez todos os esforços possíveis e concedeu todas as oportunidades para que a X Brasil, as demais empresas do seu ‘grupo econômico de fato’ e Elon Musk cumprissem as ordens judiciais e, também, pudessem adimplir as multas diárias aplicadas, no intuito de impedir medida mais gravosa”, reforçou o magistrado.
Marco Civil da Internet e liberdade de expressão
Moraes argumentou que o Marco Civil da Internet “prevê a responsabilização civil do provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros e apontado como infringente”.
De acordo com a decisão, o artigo 19 da norma estabelece que, “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”, a responsabilização civil ocorrerá somente se a plataforma não cumprir ordem judicial para “tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente” dentro do prazo determinado.
Além disso, ele destacou que o Código Civil estabelece que empresas estrangeiras devem obrigatoriamente indicar “representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade”.
“Novamente, Elon Musk confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão, confunde deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de incitação a atos antidemocráticos, ignorando os ensinamentos de uma dos maiores liberais em defesa da liberdade de expressão da história, John Stuart Mill”, frisou Moraes.
Para o ministro, o “abuso no exercício da liberdade de expressão para a prática de condutas ilícitas”, como “pretende” Musk, “sempre permitirá responsabilização cível e criminal pelo conteúdo difundido, sendo integralmente aplicável o princípio do dano ou princípio da liberdade, para evitar o abuso das redes sociais e sua instrumentalização”.
Moraes ameaçou prender representante legal de Musk no Brasil
Na quarta-feira (28), a ordem de Moraes deu o prazo de 24 horas para que o X indicasse um novo representante legal no Brasil. O X anunciou que não iria cumprir a ordem, lembrando que os antigos funcionários do escritório no Brasil correram risco de prisão e a ex-executiva brasileira está com as contas bancárias bloqueadas.
Diante da recusa, Moraes mandou remover a plataforma, nesta sexta-feira, por meio de ordem judicial enviada às operadoras. O desfecho é fruto de uma escalada de embates entre a empresa e o ministro, intensificada depois que o X divulgou uma série de ordens proferidas por Moraes para censurar perfis durante as eleições de 2022, no episódio conhecido como Twitter Files (leia mais abaixo).
X afirmou que não iria cumprir “ordens ilegais em segredo” e esperava o bloqueio
Na noite desta quinta-feira (29), o X confirmou que não obedeceria às ordens de Moraes e esperava o bloqueio. “Ao contrário de outras plataformas de mídia social e tecnologia, não cumpriremos ordens ilegais em segredo”, afirmou uma nota divulgada no perfil da empresa Global Government Affairs.
O estopim da tensão Moraes ocorreu após a empresa divulgar, no dia 13, uma cópia de uma decisão sigilosa de Moraes, ordenando um novo bloqueio de contas, que incluía o senador Marcos do Val (Podemos-ES) e outros seis perfis. A plataforma se recusou a cumprir a nova ordem de Moraes, mesmo após o ministro aumentar a multa diária imposta ao X de R$ 50 mil para R$ 200 mil.
A Secretaria Judiciária do STF calculou que o valor total da multa aplicada ao X, até esta quinta (29), é de R$ 18.350.000,00.
“Esse ofício exige a censura de contas populares no Brasil, incluindo um pastor, um atual parlamentar e a esposa de um ex-parlamentar. Acreditamos que o povo brasileiro merece saber o que está sendo solicitado a nós”, escreveu o perfil.
No dia 17, o perfil anunciou o encerramento das atividades de seu escritório no Brasil e explicou o motivo da decisão: um despacho de Moraes supôs “má-fé” da representante do X por não conseguir localizá-la, e ameaçou prendê-la “por desobediência à determinação judicial”. A decisão também estabeleceu multa diária de R$ 20 mil e afastamento imediato da diretora caso suas ordens não sejam cumpridas
“Como resultado, para proteger a segurança de nossa equipe, tomamos a decisão de encerrar nossas operações no Brasil, com efeito imediato. O serviço X continua disponível para a população do Brasil”, afirmou a plataforma. Cerca de 40 funcionários estavam envolvidos com a operação do X no Brasil.
Na nota divulgada na quinta (29), a plataforma disse que nos próximos dias publicará “todas as exigências ilegais do Ministro e todos os documentos judiciais relacionados, para fins de transparência”.
Musk desprezou a intimação e disse que Moraes será preso
Ao comentar a mensagem do STF, antes da suspensão, na quinta-feira (29), Musk publicou uma imagem fictícia em alusão à prisão de Moraes e disse que o ministro está “violando as leis que jurou defender”.
“Um dia, Alexandre, essa foto sua na prisão será real. Marque minhas palavras”, disse Musk. Em outra publicação, o bilionário compartilhou a imagem de um rolo de papel higiênico marcado com o nome do ministro: “Você gosta do meu papel higiênico?”, escreveu Musk.
Ele também comparou o magistrado aos vilões de Harry Potter e Guerra nas Estrelas. Musk pediu a ferramenta de Inteligência Artificial do X que gerasse “uma imagem como se Voldemort e um Lorde Sith tivessem um filho e ele se tornasse um juiz no Brasil”.
Após divulgação do Twitter Files, Moraes incluiu Musk em inquéritos
No início de abril deste ano, a Gazeta do Povo publicou uma reportagem com base em documentos internos do X que revelam pressão de parte do Judiciário e de políticos brasileiros para censurar perfis da rede social não alinhados à esquerda. Mais de 400 pessoas foram atingidas por decisões do ministro Alexandre de Moraes e de outros juízes.
Os documentos mostram como a plataforma reagiu a pedidos de remoção de perfis de investigados pelo STF em 2022. A maioria das solicitações partiram de Moraes. O episódio ficou conhecido como “Twitter Files Brazil”.
Após a repercussão da reportagem, Musk questionou as ordens e sugeriu que o ministro “deveria renunciar ou sofrer impeachment”. Após a repercussão, o magistrado incluiu o bilionário no inquérito das “milícias digitais”.
Gazeta do Povo