Um tema que constantemente entra no debate público é a questão da legalização das drogas, principalmente da maconha. Considerada por muitos uma droga leve o discurso corrente é de que seu uso recreativo não traria danos mais severos e seu consumo poderia ser liberado, assim como do álcool e do tabaco, uma droga sem maiores consequências sociais. Os defensores da liberação não se cansam de culpar a chamada “guerra contra as drogas” como o grande combustível da violência relacionada ao tema, e que a liberação seria um antídoto as tóxicas políticas de repressão. Os usuários são apresentados sempre como vítimas, os traficantes de pequenas quantidades também e a liberação seria a mágica que retiraria da marginalidade essas duas classes de pessoas discriminadas e oprimidas.
A retomada do debate acontece em razão da discussão pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sobre descriminalização do porte de maconha para o consumo. Caso a mudança seja aprovada pela suprema corte a utilização da droga deixará de ser considerado crime. Dessa forma, não haverá mais punição aplicada aos usuários, atualmente essas medidas se restringem a advertências e medidas educativas.[1] E aqui vemos está o cerne de um outro argumento pela legalização, de que os usuários não podem ser tratados como criminosos, eles precisam de orientação e apoio. Mas como controlar o mercado de qualquer produto se não houver, também, a diminuição da demanda? E como diminuir a demanda de drogas se não houver nenhum tipo de medida coercitiva aos usuários?
STF pode decidir sobre a descriminalização da maconha
Um outro argumento utilizado frequentemente é o de que a liberação da maconha acabaria com o mercado ilegal. Ou seja, com a entrada do produto no comércio legal os traficantes desistiriam do negócio e que a indústria da maconha seria dominada por empresas legais, o que acabaria com tráfico e com a consequente violência envolvida no combate diário as atividades criminosas dos traficantes. Mas análise dos locais onde se concretizaram políticas efetivas de legalização da substância podemos enxergar uma realidade, no mínimo, peculiar que acaba não correspondendo com as expectativas dos defensores da causa da legalização.
Quando se trata dos aspectos relacionados aos efeitos nocivos da substância sobre a saúde dos usuários a questão é muito parecida. Enquanto os organizadores das marchas e movimentos pró legalização sustentam o discurso de que uma erva natural não causa prejuízos significativos a saúde de seus usuários os estudos e o cotidiano parecem indicar exatamente o contrário. Contudo, as paixões envolvidas no debate acabam deixando de lado os aspectos científicos e objetivos que envolvem a questão e o debate público acaba dominado pelo discurso ideológico e político.
A maconha atualmente é a droga ilícita mais usada em todo o mundo. Estimativas indicam que 10% das pessoas que experimentam a droga se tornam usuários diários e 20% a 30% acabam consumindo a substância semanalmente. Além disso, pesquisas indicam que indivíduos tem começado a utilizar droga cada vez mais cedo e que a concentração de THC (delta9-tetrahidrocanabidiol) está 30% maior do que a 20 anos atrás.[2] De acordo com a Organização Mundial da Saúde existem 181,8 milhões de usuários de cannabis no mundo, com idade entre 15 e 64 anos.[3]
No Brasil aproximadamente 7,8 milhões de pessoas fizeram uso da maconha pelo menos uma vez na vida, os dados são do III Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD). De acordo com o levantamento entre os adolescentes pelo menos 597 mil indivíduos, ou seja, 4,3% da população dessa faixa etária, já experimentaram a droga.
Mas quando se trata de uma questão espinhosa como essa é preciso que todos os envolvidos se dispam de seus preconceitos e preferências pessoais e comecem a analisar os argumentos reais, os impactos verdadeiros do consumo e do comércio da maconha e o desenvolvimento de políticas públicas e legislações que tenham como foco não grupos políticos, religiosos ou econômicos, mas sociedade.
A LIBERAÇÃO DA MACONHA E O FIM DO TRÁFICO DE DROGAS
Talvez um dos argumentos mais defendidos e badalados como uma panaceia para a diminuição relacionada ao combate ao crime relacionado ao comércio das drogas seria o estabelecimento de um mercado legal do produto, especificamente da maconha. Entretanto, vamos iniciar nosso estudo vendo os dados relacionados ao comércio de uma droga legal que pode servir de parâmetro sobre o que aconteceria caso houvesse a legalização do uso da maconha, o cigarro.
De acordo com informações do Sinditabaco[4] o Brasil é o segundo maior produtor do produto e, desde 1993, é o maior exportador mundial. O tabaco brasileiro abastece cerca de 107 países e 90% da produção nacional é destinada a exportação, em 2023 foram 512 mil toneladas que geraram 2,729 bilhões de dólares em receitas.
Mesmo com um comércio tradicionalmente estabelecido a indústria do tabaco sofre com a concorrência dos produtos provenientes do contrabando. De acordo com dados da “Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) 2017 e Estimativa de Consumo de Cigarros Ilícitos no Brasil”, o consumo de cigarros ilícitos no país teve uma diminuição de quatro pontos percentuais no ano do estudo, saindo dos 42,8% para 38,5%[5]. E estes são os dados mais otimistas resultado de estudos promovidos pelo anualmente pelo Ministério da Saúde e Receita Federal. Contudo, de acordo com estudos encomendados pelas empresas que operam na indústria do tabaco o consumo de cigarros ilegais cresceu de 41% para 48% entre os anos de 2016 e 2017.
O caso do mercado dos cigarros ilegais é um referencial muito significativo de uma indústria já estabelecida e que mesmo assim enfrenta o problema da produção ilegal e do tráfico estabelecendo uma concorrência desleal, já que os produtos legais sofrem com alta regulamentação e com as extorsivas taxas de impostos cobradas pelo governo. O que faz com que os cigarros contrabandeados tenham um preço muito mais acessível aos consumidores finais.
O CASO DA CALIFÓRNIA
A legalização da maconha no estado americano da Califórnia foi estabelecida sobre a justificativa de uma série de promessas como o controle do mercado ilegal e, pelo menos, um bilhão de dólares em receitas fiscais. Mesmo depois de 5 anos da legalização da droga para fins recreativos a população ainda aguarda o cumprimento dessas promessas. Em 2022 a venda de produtos ilegais foram estimadas em 8 bilhões de dólares, enquanto as vendas no mercado legal não ultrapassaram os US$ 5,4 bilhões[6].
O estabelecimento do mercado legal enfrenta diversos problemas e entre os principais está a regulamentação o que acaba elevando os preços do produto legal em relação ao mercado paralelo. Além disso, as populações de diversas cidades do estado não têm demonstrado simpatia ao estabelecimento de lojas do ramo em suas comunidades, o que tem se tornado uma barreira para a expansão do comércio legal da cannabis no estado.
Outro fator que contribui para a manutenção do comércio paralelo no estado é o excedente da produção na Califórnia. Relatório publicado em 2018 pelo Departamento de Alimentação e Agricultura do estado revelou que são produzidos mais de sete milhões de quilos de cannabis, enquanto o consumo interno é de cerca de um milhão de quilos. O excedente de produção é equivalente a 13 vezes a produção anual do estado do Colorado. Este fato faz com que os preços da maconha californiana custem em torno de US$ 2.608 por quilo, em comparação com US$ 6.773 em Connecticut, US$ 6.711 em Illinois e US$ 6.274 em Washigton, D.C. Essa disparidade de preços acaba contribuindo para o aumento do mercado negro nos Estados Unidos. [7]
Alguns dos personagens envolvidos no processo alegam que a proibição federal é um fator para estímulo da existência para o mercado ilícito, como Cat Packer, que liderou a criação do Departamento de Regulação da Cannabis de Los Angeles[8]. Ela afirma também que muitos municípios não querem a liberação.[9] Além de culpar a regulamentação excessiva e o medo das pessoas de repetir a experiência do fim da proibição do álcool em comunidades de baixa renda com a população negra e hispânica.
A EXPERIÊNCIA URUGUAIA
A legalização da maconha no Uruguai tem sido celebrada nos principais círculos progressistas como uma das mais exitosas. Mas as análises dos resultados depois da implementação da política têm apresentado resultados, no mínimo conflitantes com as expectativas. De acordo com o pesquisador da universidade ORT, Marcos Baudean a legalização da maconha, que vem sendo implementada desde 2013 no país, ocasionou uma redução no mercado de drogas o que estaria gerando tensões pelo controle dos pontos de venda. As estatísticas do país revelam um aumento no número de homicídios no país, em 2012 eram 267, no ano da implementação da legalização, 2013 foram registrados 260 homicídios e agora em 2023 foram 383. A taxa de homicídios no Uruguai saltou de 7,69 por 100.000 habitantes para 11,19 em 2023[10]. De acordo com as autoridades locais em Montevidéu cerca de 45% dos homicídios estavam relacionados com disputas entre narcotraficantes.[11]
Em 2018 o país registrou um salto assustador na taxa de homicídios, um crescimento de 66%, na metade do ano em relação a 2017. Também foram registrados aumentos nos registros de furtos a domicílios e assaltos a mão armada. [12] Estes aumentos nos números relativos à criminalidade geraram outro fenômeno peculiar, o êxodo dos bairros tradicionais para condomínios fechados. O ministro do Interior, Eduardo Bonomi, relata que o “aumento da violência é resultado do aumento dos enfrentamentos de gangues, muitas ligadas ao tráfico de drogas.
Outro dado que mostra os efeitos colaterais negativos da liberação da maconha no Uruguai foi revelado por um estudo de 2018, elaborado por especialistas de quatro universidades e pelo Observatório Uruguaio de Drogas, mostrando um crescimento de 66% no índice de pessoas que declaram ter consumido cannabis, com o agravante da faixa de idade entre 55 e 55 anos, onde o crescimento foi de 229%, seguida pela faixa de idade entre 35 e 44 anos (144%) e entre 45 e 54 anos (125%).[13]
O governo uruguaio calcula que a maconha movimente US$ 40 milhões por ano, e desde a aprovação da lei de liberação da maconha, em 2013, US$ 10 milhões passaram para a legalidade.[14] Ou seja, mesmo com todo esforço do governo 75% do comércio da droga ainda permanece sobre o controle do narcotráfico.
HOLANDA
Talvez o caso citado como maior sucesso no processo de legalização da maconha, a Holanda vem repensando suas políticas sobre o tema. A questão principal é o que os Holandeses chamam de “problema da porta dos fundos”. Ainda que seja possível comprar a droga nas cafeterias, para consumo no local, o cultivo para comercialização ainda é ilegal no país, o que faz com que os estabelecimentos adquiram o produto de forma ilegal. Esse sistema acabou tornando a Holanda um centro de atração para drogas pesadas, principalmente com origem nas Américas. Além disso, o país se tornou referência na produção de drogas sintéticas.[15]
A Holanda começou a flexibilizar suas leis relativas ao consumo de drogas na década de 1970. A medida tornou-se efetiva em 1976, quando o país permitiu a venda de até 5 gramas de maconha para consumo no local. Amsterdã adotou amplamente a medida e, atualmente, um terço das lojas estão instaladas na cidade. [16]Os coffee shops tornaram a Holanda um centro para o turismo de drogas, de acordo com dados do relatório do Departamento para Pesquisa e Estatística de Amsterdã (2007), dos 4,5 milhões de turistas que passavam uma noite na cidade, 26% visitam pelo menos uma das lojas onde o consumo da maconha e do haxixe são liberados e, 10% dos visitantes mencionam que está é uma das principais razões para visitar a cidade.[17]
O aumento do consumo da droga gerou nos usuários uma maior tolerância aos efeitos psicoativos, fazendo com que aumentasse a demanda por doses mais elevadas de THC o que acelerou os processos de dependência e fazendo com que chegassem ao mercado variedades mais potentes da droga.[18]
Para tentar reduzir o turismo relacionado a drogas e sexo Amsterdã tem tomado uma série de medidas. Em 2021 o município restringiu em 20 milhões o volume de pernoites por ano na cidade, com o objetivo de gerenciar melhor o fluxo de viajantes. Outra medida foi reduzir em duas horas o horário de funcionamento de bordéis, pubs e bares do Bairro da Luz Vermelha. Um mês após adoção da medida a cidade realizou a campanha Stay Away (Fiquem Longe) para tentar diminuir a quantidade de turistas arruaceiros na cidade. Atualmente o Bairro da Luz Vermelha está com uma série de cartazes advertindo sobre a proibição do consumo de maconha nas ruas, turistas e residentes que forem flagrados usando a droga na região podem ser multados em 100 euros. [19]
Coffee shop em Amsterdã
Uma informação negligenciada pelos defensores da liberação é que a Holanda se tornou não apenas um centro turístico para usuários de drogas, mas também um polo de atração para criminosos.[20] De acordo com dados apresentados por autoridades da França e da Grã-Bretanha denunciam que 80% da heroína usada ou vendida em seus países passou e/ou foi estocada na Holanda. O país se tornou um ambiente relativamente livre para atuação dos narcotraficantes.[21]
AS CONSEQUÊNCIAS PARA SAÚDE DO USUÁRIO
Apesar das constantes campanhas pela legalização da maconha cantarem em verso e prosa os benefícios da droga no tratamento de doenças, dores crônicas e até epilepsia o uso recreativo da substância pode apresentar riscos tanto para saúde física quanto mental dos usuários. O que os “maconhistas” de plantão esquecem de explicar ao seu público é que existem dois princípios ativos principais na maconha envolvidos na expressão de seus principais efeitos psicoativos, o tetraidrocanabinol (THC) e o canabidiol.
O THC é o principal responsável pelos efeitos de alteração de consciência, ou seja, quanto maior o teor de THC mais potente será a droga. Por outro lado, o canabidiol parece exercer uma função protetora, quanto mais canabidiol tem a maconha em relação a quantidade de THC, menores serão os riscos de dependência e experiências de alterações sensoriais psicoativas. [22]
Atualmente é comum que os produtores de maconha utilizem técnicas para aumentar a concentração de THC em suas plantas. Com uma concentração maior do princípio ativo se consegue mais efeitos psicoativos com uma quantidade menor da droga, o que valoriza o produto e aumenta a margem de lucro dos traficantes. Entretanto, evidências sugerem que a utilização de cannabis com altas concentrações de THC (10% ou mais) é fator de risco para o desenvolvimento de transtornos psicóticos como a esquizofrenia. Além disso, o uso da droga pode causar a dependência e está relacionado a déficit cognitivos e educacionais. Os estudos revelam que os consumidores de maconha têm um risco 5 vezes maior de desenvolver transtornos psicóticos quando comparados com pessoas que não usam a substância. Quando a pessoa já possui o diagnóstico de esquizofrenia o consumo pode piorar os sintomas da doença. [23]
Um fator importante para os prejuízos causados pelo consumo da droga é a idade de exposição a substância, fumar maconha antes dos 25 anos pode ser muito mais danoso do que iniciar o consumo na vida adulta. Os canabinoides podem atrapalhar a organização do cérebro, principalmente na adolescência momento em que a maturação de vários circuitos neurais. [24]
Dessa forma, um grupo que é especialmente afetado pelo uso da cannabis é o dos adolescentes. Estudo desenvolvido pela Universidade Duke demonstrou que usuários que iniciaram seu consumo durante a adolescência tiveram uma diminuição no QI de pelo menos 8 pontos, comparando testes realizados aos 13 e aos 38 anos.[25] O que é uma evidência de como o uso da maconha pode afetar a inteligência e a capacidade de raciocínio. Ainda que abandonem o uso da droga é muito difícil que estes usuários recuperem todo o potencial perdido.
Os mecanismos de recompensa e motivação também podem ser alterados pelo consumo da droga, o que pode atrapalhar o desempenho tanto em atividades escolares quanto no trabalho, já que os usuários podem se sentir desmotivados a trabalhar de forma mais intensa e menos recompensados pelo bom desempenho nessas tarefas. [26]
Também está estabelecido que o uso da cannabis pode levar a problemas de saúde mental, como, por exemplo, anedonia, incapacidade de sentir prazer, especialmente em adolescentes.[27]
Mas ainda existem os efeitos mais comuns decorrentes do uso crônico de maconha. Efeitos que terão resultados na qualidade de vida, no comportamento, na saúde mental e na capacidade produtiva dos usuários da droga. Entre esses efeitos podemos citar:
- Gerais: fadiga crônica e letargia, náusea crônica, dor de cabeça, irritabilidade.
- Neurológicos: diminuição da coordenação motora, alterações de memória e da concentração, alteração da capacidade visual, alteração do pensamento abstrato.
- Psíquicos: depressão e ansiedade, mudanças rápidas de humor, irritabilidade, ataques de pânico, tentativas de suicídio, mudanças de personalidade.
- Respiratórios: tosse seca, dor de garganta crônica, congestão nasal, piora da asma. Infecções frequentes dos pulmões, bronquite crônica.
- Reprodutivos: infertilidade, problemas menstruais, impotência, diminuição da libido e da satisfação sexual.
- Sociais: isolamento social, afastamento do lazer e de outras atividades sociais.[28]
Além dessas alterações que se estabelecem ao longo do tempo de uso, quando a pessoa utiliza a cannabis ela sofrerá os efeitos imediatos. Essas alterações psicoativas não estão limitadas apenas as sensações prazerosas buscadas pelas pessoas quando consomem a substância e podem trazer riscos até a segurança física de quem está sob os efeitos agudos dos princípios ativos da maconha. Podemos citar como efeitos agudos da droga:
- Gerais: relaxamento, euforia, pupilas dilatadas, conjuntivas avermelhadas, boca seca, aumento do apetite, rinite, faringite.
- Neurológicos: comprometimento da capacidade mental, alteração da percepção, alteração da coordenação motora, maior risco de acidentes, voz pastosa (mole).
- Cardiovasculares: aumento dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial.
- Psíquicos: despersonalização, ansiedade/confusão, alucinações, perda da capacidade de insights, aumento do risco de sintomas psicóticos entre aqueles com história pessoal ou familiar anterior.
Obviamente nem todas as pessoas que fazem uso da droga sofrerão de todos os efeitos adversos relacionados, mas, obviamente estará sob o risco de sofrê-los. É fundamental a difusão desse tipo de conhecimento para que aqueles que utilizam maconha estejam cientes dos riscos da exposição a substância, para que não se trate o tema de forma ingênua ou romantizada. Se mesmo o consumo de medicamentos corriqueiros, como o paracetamol ou a dipirona, trazem riscos aos usuários, ainda que estejam sujeitos a todas as regras de produção e aos padrões de segurança sanitária das indústrias farmacêuticas. Quanto mais o consumo de drogas que não estão sujeitas a qualquer tipo de controle, fiscalização ou regulamentação em nenhuma de suas fases de produção, armazenamento, distribuição ou comercialização.
RECOMPENSA PARA OS CRIMINOSOS
Uma faceta ignorada pela maioria esmagadora dos atores envolvidos na discussão sobre a legalização das drogas é como este tipo de política refletirá na esfera legal, principalmente quando se trata daqueles que estão presos ou condenados em razão da conduta que em breve pode deixar de ser crime. Para essa análise o primeiro ponto que devemos levar em conta é o princípio da anterioridade da lei penal. Em nossa constituição este princípio está consagrado no inciso XL do artigo 5º:
XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
Assim, caso a medida seja adotada todos aqueles que de alguma forma foram punidos pelo uso ou venda de maconha nas quantidades que deixaram de ser punidas poderão ser anistiados. Ou seja, todo o esforço realizado pelos profissionais de segurança pública na prisão destes indivíduos será jogado no lixo. Pode-se argumentar que usuários e pequenos traficantes não são criminosos perigosos, que não oferecem risco a sociedade, mas o que os defensores desse tipo de argumento esquecem é que o uso de drogas, mesmo a maconha, normalmente está associado com outros crimes. Na verdade, não raro, usuários se iniciam na vida do crime para sustentar o vício, furto, roubo e o tráfico de pequenas quantidades de drogas são as modalidades mais praticadas para este tipo de objetivo.
Além desses fatores, a cadeia produtiva e logística envolvida no comércio de drogas hoje está nas mãos dos grandes cartéis de narcotraficantes e não me parece que eles estejam dispostos a renunciar a sua indústria apenas para ajudar a causa dos defensores do mercado legal. Parece mais razoável acreditar que, como no caso do tabaco, os narcotraficantes não abandonem o tráfico, mas acabem adaptando suas práticas para se adequarem a nova realidade. E podem utilizar diversas estratégias, como falsificação, empresas de fachada, estabelecimento de zonas exclusivas para comercialização (através da força) ou qualquer outra estratégia comum as máfias. Mas talvez a melhor estratégia seja a mercadológica, já que a maconha legalizada acabará afundada em altas taxas de impostos e regulamentação estatal seu preço acabará subindo muito. Os narcotraficantes, livres das amarras do estado e com uma esteira de produtos que garante um financiamento quase infinito, conseguirão oferecer seus baseados a preços muito mais atrativos do que aqueles produzidos segundo as regras legais. De qualquer forma continuam no mercado e talvez até ampliem seus lucros, não apenas pelas atividades criminosas, mas também abrindo empresas legalizadas para operar no mercado emergente da maconha legal, já que detêm muita experiência e uma rede de consumidores estabelecida.
A liberação da maconha seria como um prêmio para aqueles que dedicaram suas carreiras profissionais ao mercado da droga, uma espécie de reconhecimento por seus esforços criminosos e dedicação na popularização do produto. Ao mesmo tempo será um tapa na cara de todos os profissionais que arriscam diariamente suas vidas no combate ao crime, mas também uma forma de desprezo ao trabalho realizado por promotores de justiça e magistrados que também realizam um trabalho árduo na tentativa de diminuir a popularidade e a disseminação das drogas através da aplicação da lei.
É claro que alguém poderia dizer que isto é teoria da conspiração, que ninguém, em sã consciência, pensaria em adotar uma política pública que beneficiaria diretamente criminosos. Quem dera. Em 2014, o deputado e ex-BBB Jean Wyllys, na época no Psol, apresentou um projeto de lei que legalizava o consumo da maconha, era o PL 7270/14.[29]
Mas o projeto de lei apresentado pelo deputado celebridade previa anistia para aqueles que haviam sido condenados pelo tráfico da maconha. A anistia seria estendida a todas as pessoas que foram condenadas por este tipo de crime antes da aprovação da lei. Por sorte escapamos dessa medida, mas as intenções do congressista não poderiam ser mais transparentes.
CONCLUSÃO
Na defesa da liberação da maconha é comum que os defensores da tese utilizem argumentos falaciosos ou distorcidos para convencer suas audiências. Mas quando analisamos os resultados deste tipo de política, mesmo quando adotada em países desenvolvidos, não podemos ignorar os efeitos colaterais que podem agravar os problemas relacionados ao consumo da droga.
Quando se trata do uso medicinal a distorção é ainda maior. Ninguém espera que crianças com epilepsia sejam tratadas com cigarros de maconha, o que destrói a lógica da liberação da posse de pequenas quantidades ou a possibilidade de cultivar a planta da maconha em residências. No caso dos extratos e óleos de canabidiol o caminho para o uso dos princípios ativos é o mesmo executado por qualquer tipo de droga derivada de plantas, laboratórios isolam substâncias que podem ser usadas para os tratamentos e desenvolvem remédios, de forma controlada, testada e mais segura possível.
Os malefícios individuais para os usuários é outra questão que não pode ser ignorada, mesmo que os defensores da liberação da droga insistam que o consumo, através da queima da erva e aspiração da fumaça, não traz perigos significativos. Como demonstrado aqui, os riscos envolvem não apenas aspectos físicos, mas principalmente aqueles relacionados a saúde mental. E mesmo que se defenda a tese da liberação as pessoas precisam ser conscientizadas dos riscos envolvidos no consumo da maconha. Assim como foi feito com o tabaco que, mesmo liberado, é alvo de milhares de campanhas expondo os riscos tanto no sentido do desenvolvimento da dependência, física e psicológica, quanto dos riscos para a saúde física dos tabagistas.
A verdade é que a discussão do tema extrapola os limites da técnica, da ciência e das consequências sociais de uma política de liberação. A contaminação política e ideológica transforma apoiadores e opositores da liberação em fundamentalistas, na maioria das vezes, ambos os lados deixam de considerar os argumentos relevantes, que tem impacto social e na segurança pública e levam o debate a uma briga de torcidas em razão de suas preferências político partidárias. Não há dúvida que estes critérios precisam estar envolvidos, mas são temas marginais, periféricos, focar nas consequências diretas e indiretas que terão repercussão na vida das pessoas deve ser o foco de quem sinceramente quer o melhor para o país.
[1] https://canalcienciascriminais.com.br/stf-descriminalizacao-da-maconha/
[2] Maconha: qual a amplitude de seus prejuízos? https://doi.org/10.1590/S1516-44462005000100003 , Editorial • Braz. J. Psychiatry 27 (1) • Mar 2005
[3] http://www.uniad.org.br/interatividade/noticias/item/24201-oms-cannabis-%C3%A9-droga-il%C3%ADcita-mais-consumida-no-mundo-com-180-milh%C3%B5es-de-usu%C3%A1rios
[4] https://www.sinditabaco.com.br/sobre-o-setor/dimensoes-do-setor/
[5] https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e-profissional-de-saude/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-do-tabaco/dados-e-numeros-do-tabagismo/magnitude-do-comercio-ilicito-de-cigarros-no-brasil
[6] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/05/maconha-legalizada-avanca-nos-estados-unidos-mas-a-ilegal-segue-mais-lucrativa.shtml
[7] https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/por-que-a-legalizacao-da-maconha-e-um-fracasso-na-california-cxpt89lje92f864epjsgbtf20/
[8] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/05/maconha-legalizada-avanca-nos-estados-unidos-mas-a-ilegal-segue-mais-lucrativa.shtml
[9] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/05/maconha-legalizada-avanca-nos-estados-unidos-mas-a-ilegal-segue-mais-lucrativa.shtml
[10] https://pt.countryeconomy.com/demografia/homicidios/uruguai
[11] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/09/internacional/1533827324_546108.html
[12] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/09/sobe-66-o-numero-de-homicidios-no-uruguai-por-causa-do-narcotrafico.shtml
[13] https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/fracasso-experiencias-internacionais-legalizacao-das/#ancora-5
[14] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/09/sobe-66-o-numero-de-homicidios-no-uruguai-por-causa-do-narcotrafico.shtml
[15]https://fastcompanybrasil.com/impacto/por-que-a-holanda-legalizou-a-cannabis-mas-nao-a-maconha/
[16] https://fastcompanybrasil.com/impacto/por-que-a-holanda-legalizou-a-cannabis-mas-nao-a-maconha/
[17] https://revistacarbono.com/artigos/08turismo-de-drogas-thiagopereira/
[18]https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/fracasso-experiencias-internacionais-legalizacao-das/#ancora-5
[19] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2023/07/22/amsterda-da-um-chega-pra-la-nos-turistas-do-sexo-e-drogas.htm
[20] Collins, Larry. “Holland’s Half-Baked Drug Experiment”. Foreign Affairs, vol. 78, no. 3, 1999, pp. 82–98.
[21] Foreign Affairs, vol. 78, no. 3, 1999.
[22] https://www.ufrgs.br/farmacologica/2019/06/25/qual-e-a-relacao-entre-maconha-e-esquizofrenia/
[23] https://www.ufrgs.br/farmacologica/2019/06/25/qual-e-a-relacao-entre-maconha-e-esquizofrenia/
[24] https://www.ufrgs.br/farmacologica/2019/06/25/qual-e-a-relacao-entre-maconha-e-esquizofrenia/
[25] https://today.duke.edu/2012/08/potiq
[26] https://www.bbc.com/portuguese/geral-61201971
[27] https://www.bbc.com/portuguese/geral-61201971
[28] https://spdm.org.br/blogs/alcool-e-drogas-blogs/efeitos-negativos-da-maconha/
[29] https://congressoemfoco.uol.com.br/projeto-bula/reportagem/projeto-que-legaliza-a-maconha-perdoa-traficantes-da-droga/
Por Blitz Digital