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A decisão do STF que pode alterar as cadeiras do Congresso e das Assembleias. Julgamento final será dia 8 de fevereiro

Inicia-se na próxima sessão do Plenário, prevista para 08 de fevereiro de 2024, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal das ADIs que podem alterar a composição do Congresso Nacional. Trata-se do julgamento das ações propostas pela Rede Sustentabilidade (ADI nº 7.228/DF), pelo PSB/Podemos (ADI nº 7.263/DF) e pelo Progressistas (ADI nº 7.325/DF).

Esse debate ganhou ainda maior repercussão midiática depois que a Procuradoria Geral da República emitiu parecer segundo o qual opinava pela declaração parcial de inconstitucionalidade das alterações determinadas pela Lei nº 14.211/21 (alterou o regime de distribuição das sobras partidárias), tratando do que se convencionou chamar de “sobra das sobras” [1]. Esse parecer gerou grande controvérsia, inclusive, pela má-compreensão sobre as suas consequências [2].

Ocorre que em cada uma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, as agremiações autoras formulam pedidos distintos e, portanto, com diferentes repercussões sobre a distribuição das cadeiras preenchidas no último pleito eleitoral.

Entenda quais as diferenças de cada uma dessas ações e os seus fundamentos para compreender as questões constitucionais em jogo e suas consequências.

  1. Alteração das regras sobre distribuição das sobras partidárias pela Lei nº 14.211, de 1º de outubro de 2021

A existência de excessiva fragmentação partidária no Congresso Nacional tem sido comumente apontada como uma das causas que concorrem para a desestabilização da relação entre o Executivo e Legislativo no plano federal.

A fim de enfrentar esse déficit, ainda em 2017, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional nº 97, que promoveu as seguintes alterações na estruturação do intrincado sistema eleitoral brasileiro: (a) proibição para a realização de coligações proporcionais, (b) inserção de cláusula de desempenho partidário a ser exigida das agremiações para que tenham acesso a recursos públicos, e (c) autorização para a migração partidária dos parlamentares eleitos por agremiações que não cumpriram o requisito para o funcionamento parlamentar.

Com a iminente entrada em vigor da vedação constitucional de formação de coligações proporcionais para as eleições gerais, o Congresso Nacional empreendeu uma série de mudanças na estrutura do sistema eleitoral. A primeira previu a possibilidade de formação de federações partidárias (Lei nº 14.208/2021), e a segunda alterou os critérios de distribuição das sobras partidárias (Lei nº 14.211/2021).

Essas alterações legislativas foram resultantes de um acordo político que, a um só tempo, dificultou o acesso à distribuição das sobras partidárias (reinserção de cláusula de desempenho partidário) e possibilitou a sobrevivência de agremiações partidárias (ainda que em uma nova modalidade de aliança duradoura, as federações).

Especificamente no que interessa ao debate jurídico aqui analisado, o já complexo sistema eleitoral brasileiro sofreu alterações que acentuaram ainda mais as assimetrias deste modelo. Apesar do Brasil adotar um sistema proporcional (de lista aberta, com cálculo fundado nas maiores médias e com cláusula de desempenho individual de 10%), foram inseridas duas regras que, por razões distintas levam, à assimetria na representação dos partidos políticos.

O processo de distribuição das cadeiras em eleições proporcionais é constituído por duas fases distintas. A primeira, em que ocorre a distribuição das cadeiras segundo os resultados apurados pelo quociente partidário. A segunda, em que ocorre a distribuição das cadeiras não-preenchidas a partir da distribuição feita com base nas maiores médias (Método D’Hondt).

O debate que está prestes a ser travado no âmbito do STF diz respeito à segunda fase da distribuição das cadeiras (a chamada distribuição das sobras). De acordo com as alterações legais, a distribuição das sobras deve ser feita às agremiações que obtiverem as maiores médias e, ainda, nos termos do artigo 109, § 2º do CE, que atendam concomitantemente às seguintes exigências: (a) o total de votos da agremiação equivaler a, pelo menos, 80% do quociente eleitoral; e (b) o candidato nominalmente mais votado, para poder fazer jus à vaga, necessitar ter obtido, ao menos, 20% “desse quociente” (cláusula de desempenho reforçada).

Por fim, a Lei nº 14.211/2021 previu ainda duas situações residuais com o propósito de regularem situações em que (1) nenhum partido político tenha conseguido preencher o quociente eleitoral (portanto, nenhuma das vagas foram preenchidas pelo quociente partidário) e (2) após a aplicação dos critérios fixados no artigo 109, § 2º (80/20), ainda assim venham a sobrar cadeiras a serem preenchidas.

A primeira, prevista no artigo 111 do CE, aplicável nas situações excepcionais em que nenhum partido tenha alcançado o quociente eleitoral. Nessa hipótese, a lei determina que sejam eleitos os candidatos mais votados, pura e simplesmente (o que levaria à transformação das eleições em eleições pelo critério majoritário).

A segunda, prevista no inciso III do artigo 109 do CE, aplicável nas situações em que na segunda fase da distribuição das cadeiras, não existissem partidos que atendessem ao critério 80/20. Nesta hipótese, o dispositivo legal determina que as vagas devem ser distribuídas aos partidos que apresentarem as maiores médias.

Diferentes destes aspectos foram impugnados por intermédio das ações diretas de inconstitucionalidade. É o que se pretende explicar, a seguir.

  1. Síntese das Ações Diretas de Inconstitucionalidade em tramitação
    2.1. ADI nº 7.228/DF (Rede Sustentabilidade)

Antes mesmo das eleições de 2022, a Rede Sustentabilidade ajuizou esta ação antevendo a possibilidade da ocorrência de situações limítrofes (passíveis de ocorrerem em estados com reduzido colégio eleitoral e com poucas cadeiras a serem preenchidas).

Através desta ação, se pretende que seja atribuída interpretação conforme à constituição em relação ao artigo 111 do CE (para que o critério de maior votação obtida só seja aplicado após a distribuição das sobras com base no critério 80/20) e ao artigo 109, inciso III do CE (para que as vagas remanescentes sejam distribuídas para os partidos que obtiverem as maiores médias, ainda que estes partidos não tenham obtido 80% do QE)

A questão central suscitada pela Autora lança luz para uma evidente inconstitucionalidade realizada pelo legislador infraconstitucional. Afinal de contas, a adoção como critério único (“candidatos com maior votação nominal”) fere de morte a regra constitucional que impõe a aplicação do critério proporcional às eleições nos planos federal, estadual e municipal [3].

Registre-se, no entanto, que se essa tese vier a ser aceita, esta decisão não produzirá nenhuma repercussão em relação ao pleito de 2022. Isto é assim porque a referida regra (de aplicação residual) não foi acionada em nenhum estado da federação, nem no Distrito Federal. Afinal de contas, em todos os casos, mais de um partido político alcançou o quociente partidário.

O segundo aspecto, por se confundir com a pretensão deduzida pelo PSB/Podemos, será discutido adiante.

2.2. ADI nº 7263/DF (Podemos e PSB)

Com pretensão parcialmente coincidente com o pedido deduzido pela Rede (ADI nº 7.228/DF), os autores defendem que deva ser atribuída interpretação conforme a constituição ao inciso III do artigo 109 do Código Eleitoral, como visto acima.

Defendem a “possibilidade de na terceira fase da distribuição das sobras no cálculo das maiores médias (artigo 109, III, do CE) sejam contemplados todos os partidos que participaram do pleito, independentemente do quociente eleitoral alcançado, em atenção aos princípios estabelecidos na Constituição da República”.

A despeito de terem a AGU e a Câmara dos Deputados se manifestado pela integral constitucionalidade da regra legal, tanto a Mesa do Senado Federal, quanto a PGR, aquiesceram com o argumento central.

Nas palavras de Augusto Aras, “2. A exigência de que partidos políticos e federações partidárias alcancem 80% do quociente eleitoral e os candidatos votação mínima de 20% desse quociente para participarem da distribuição de cadeiras remanescentes das casas legislativas não há de ser aplicada na terceira etapa de distribuição (‘sobra das sobras’), sob pena de interditar o acesso, em espaço já significativamente reduzido, das pequenas legendas no sistema de eleição proporcional, em afronta ao pluripartidarismo político e ao princípio da igualdade de chances. Doutrina e jurisprudência”.

Diferentemente do pedido principal deduzido na ADI nº 7.228/DF (Rede Sustentabilidade), eventual acolhimento dessa tese, se aplicado às eleições pretéritas, pode resultar na alteração de sete cadeiras no Congresso Nacional (quatro do estado do Amapá e um dos estados de Rondônia e Tocantins e um do Distrito Federal [4]).

A solução proposta pelo Podemos e PSB pretende corrigir uma espécie de distorção na representatividade dos partidos políticos considerando a criação de mecanismos de sobrerrepresentação artificial no Parlamento.

Se por um lado, a solução proposta contribui para a mitigar a distorção na representatividade em estados como o Amapá. Por outro lado, a medida vai de encontro ao critério constitucional que orientou o conjunto das alterações institucionais voltadas à fragmentação partidária.

Afinal de contas, o propósito do constituinte reformador foi o de reduzir o número de agremiações partidárias com representação no Congresso e com direito de acesso a recursos públicos. Portanto, quando o legislador restabeleceu a exigência de cláusula de desempenho partidária como requisito para que a grei participe das sobras (reduzindo-a para 80% do quociente eleitoral), fixou um critério legal compatível com a finalidade do instituto (reduzir a representação partidária daqueles partidos com menor densidade eleitoral nas circunscrições eleitorais).

2.3. ADI nº 7.365/DF (Progressistas)

O Progressistas se insurge contra a própria critério 80/20 (artigo 109, § 2º). O argumento central deduzido pela agremiação é de que se revela inconstitucional a exigência de cláusula de desempenho individual para a distribuição das vagas remanescentes (sobras) em critério superior (20%, artigo 109, § 2º, CE) à exigência fixada para a distribuição das vagas por quociente partidário (10%, do artigo 108, CE) [5].

O Progressistas defende que a inclusão desta regra (20% do QE) ofende ao princípio da isonomia, ao princípio da proporcionalidade e ao princípio da representatividade, essenciais ao funcionamento da cláusula democrática.

O estado em que ocorreu a maior distorção decorrente desta regra foi Santa Catarina. A título de exemplo, o deputado rstadual (Matheus Cadorin) foi eleito com 12.390 votos (12,37% dos votos válidos) porque seu partido (Novo) obteve a vaga pelo quociente partidário. Enquanto os candidatos Juliano Campos (PSB, 18.816 votos, 18,79%), Professora Vanessa (PT, 16.832, 16,82%) e Dr. Jonas Paegle (Patriotas, 18.296, 18,79%) mesmo tendo votação expressivamente superior, não tiveram direito à vaga a que seu partido fazia jus porque não preencheram a exigência de 20% incluída pela impugnada.

Defende ainda que, em face da aplicação do princípio da anualidade, a decisão proferida pela Corte Suprema seja modulada de forma a se conferir interpretação conforme à constituição à regra em comento, para que os 20% sejam calculados, ao menos, sobre o novo quociente criado pelo art. 109, § 2º (os 80% do QE exigidos dos partidos políticos). Desta feita, ao menos em relação ao pleito passado, a exigência de performance seria de 16%.

A aplicação da tese (com a modulação proposta) pelo Progressistas também tem um impacto reduzido na composição das cadeiras da Câmara dos Deputados. A alteração atingiria os Estados do Espírito Santo (uma cadeira), Minas Gerais (uma cadeira), Rio Grande do Norte (uma cadeira), Rondônia (uma cadeira) e Santa Catarina (duas cadeiras).

  1. A título de reflexão final

As últimas alterações realizadas no critério de distribuição das vagas nas eleições proporcionais têm gerado inúmeras distorções e perplexidades. A lógica do sistema proporcional é estruturada a partir da ideia básica de que as cadeiras devem ser distribuídas aos partidos políticos de acordo com sua densidade eleitoral. Portanto, o número de vagas distribuídas à agremiação depende de relação direta com o total de votos obtidos no pleito eleitoral.

Ainda que aceitemos que o legislador possui margem de conformação legislativa para regulamentar as regras do sistema eleitoral, esta liberdade não pode ser exercida ao ponto de negar vigência à regra da proporcionalidade (artigo 111), tampouco criar critérios flagrantemente anti-isonômicos entre os candidatos (exigência de cláusula de desempenho individual diferenciada).

Apesar de reconhecer que, nessas situações, se está diante de atuação flagrantemente inconstitucional por parte do legislador por extrapolar a sua margem de conformação legislativa. O desafio maior que se impõe ao Supremo Tribunal Federal (e às nossas instituições democráticas) é sobre a possibilidade de que atuais mandatários (diplomados com base na legislação vigente por ocasião do pleito de 2022) percam seus mandatos.

Portanto, para além dos argumentos jurídicos aqui desenvolvidos, o adequado equacionamento dessa tensão não se pode resolver facilmente. Afinal de contas, a questão de fundo consiste numa reflexão sobre a legitimidade democrática do STF em face de sua função contramajoritária?

Fontes:

[1] Disponível em: https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/clausula-de-barreira-nao-deve-ser-aplicada-na-3a-etapa-de-distribuicao-das-sobras-de-vagas-nas-eleicoes-proporcionais-opina-pgr.

[2] Em reportagem que noticia o parecer do PGR, o Portal Brazil Urgente divulgou uma projeção de alterações que assusta pela magnitude dos impactos causados na representação do Congresso Nacional. No entanto, trata-se de grosseiro erro de compreensão do alcance da manifestação da PGR. BRAZIL Urgente. Bancadas federais devem ser alteradas: Aras se posiciona a favor de mudanças na regra das sobras eleitorais. p. em 3 fev. 2023. Disponível em: https://brazilurgente.com.br/bancadas-federais-devem-ser-alteradas-aras-se-posiciona-a-favor-de-mudancas-na-regra-das-sobras-eleitorais/

[3] Cf. as conclusões apresentadas por ALMEIDA, Vladimir Belmino de; PREZOTTO, Mauro A. Eleição de deputados pelo sistema majoritário – perda da primazia do sistema proporcional. ConJur, pub. em 25 jul. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jul-25/direito-eleitoral-eleicao-deputados-sistema-majoritario-perda-primazia.

[4] MALI, Tiago. Entenda as ações que podem anular as eleições de 7 deputados. Poder 360. p. em 14 fev. 2023. Disponível em: https://www.poder360.com.br/podereleitoral/entenda-as-acoes-que-podem-anular-a-eleicao-de-7-deputados/

[5] Por fundamentos semelhantes, cf. ALMEIDA, V. B. Eleições proporcionais: partidos e deputados de classe A e B. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-16/direito-eleitoral-eleicoes-proporcionais-partidos-deputados-classe-classe.

Da redação com informações conjur.com.br

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