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É proibido escolher

Por J. R. Guzzo (**)

A opinião deixou de ser um direito básico do brasileiro. A “democracia”, nome que o ministro Alexandre de Moraes, a esquerda nacional e o seu candidato à presidência da República deram ao sistema de poder absolutista, ilegal e pervertido que o alto judiciário criou para governar a sociedade deste país, tornou-se mais importante que a vida de cada cidadão — mais que os seus direitos individuais, as suas preferências políticas e a sua liberdade. A proteção por escrito que a Constituição Federal lhe assegura não vale mais. Foram anuladas, para todos os efeitos práticos, as garantias que a lei fornece para a sua palavra, o seu direito de reunião e o seu voto nas eleições para a Presidência da República. Democracia no Brasil, hoje, é o que querem o ministro Moraes, as elites que o apoiam e o consórcio nacional contra a liberdade que se formou para apoiar a volta ao governo do ex-presidente Lula. Não existe outra opção. Ou você aceita isso — ou é condenado por ser “contra o regime democrático”, “a favor da ditadura” e outros crimes políticos hediondos. A Polícia Federal, por ordem pessoal de Moraes, pode invadir sua casa ao nascer do dia e levar de lá o que bem entender. Suas comunicações pessoais podem ser violadas. Suas contas bancárias podem ser bloqueadas. Podem “desmonetizar” os rendimentos do seu trabalho. Você pode ser interrogado pela polícia. Pode ser processado criminalmente. Podem lhe enfiar uma tornozeleira eletrônica. Podem lhe aplicar multas impossíveis de se pagar. Você pode ir para a cadeia; muitos já foram, inclusive um deputado federal em pleno exercício do seu mandato.

É essa a democracia de Moraes, do STF e dos seus devotos — a democracia que persegue emojis

Este é o mundo do ministro Moraes, do STF e de todos os que se uniram na guerra às liberdades públicas e aos direitos individuais. Ele funciona na base da perseguição policial, de uma lavagem cerebral agressiva contra o pensamento livre e do uso da máquina do Estado para impor o medo. Nega-se, basicamente, o direito de escolha — condição elementar para a existência de qualquer democracia. A questão-chave, aí, é muito simples: o STF, as classes intelectuais, a mídia em peso e os grupos com interesses materiais feridos, a começar pelos que perderam o poder e estão exigindo esse poder de volta, querem proibir as pessoas de votarem em Jair Bolsonaro para presidente. Não importa, minimamente, se ele fez um governo bom, ruim ou péssimo; isso mal chega a ser falado no meio da gritaria. A única coisa que interessa é que Bolsonaro seja destruído, e aí vale qualquer coisa — dizer que ele é genocida, impediu a população de tomar vacina, chefia “milícias” no Rio de Janeiro, é aliado do “centrão”, aumentou a fome e fez mais um monte de horrores cujo único traço em comum é a falta de nexo das acusações. Não se diz, é claro, que o governo federal comprou e pagou 500 milhões de doses de vacina, ou que o “centrão” é integralmente formado por deputados eleitos pelo voto popular, ou que o Brasil está entre os países do mundo que melhor resistiu aos desastres econômicos da Covid. Nada disso é argumento na “democracia” ora em vigor no complexo STF-Lula-elites. Só valem o Tribunal de Inquisição do ministro Moraes e as suas fogueiras; é o ponto mais baixo a que chegaram as liberdades políticas do Brasil desde a imposição do Ato-5.

Trata-se de um jogo que só tem piores momentos, mas ainda assim há momentos piores que os outros. O pior de todos eles até agora, por tudo o que contém de palhaçada grotesca, velhaca e mal-intencionada, bem que poderia ser essa “operação” contra os “empresários golpistas” que o ministro Moraes, a mídia e advogados lulistas acabam de levar ao ar. Pretendem ser heroicos; estão sendo apenas histéricos. Não há empresário golpista nenhum; há apenas um grupo de cidadãos que defende a candidatura de Bolsonaro para a Presidência da República. Não fizeram nada de mais. Apenas trocaram mensagens entre si, falando de desejos pessoais, de coisas que gostariam de ter visto, e não aconteceram, e uma porção de outros assuntos que fazem parte do repertório habitual das conversas políticas entre amigos, numa mesa de botequim ou na hora do churrascão — e nas quais, até onde se saiba, a lei garante que cada um diga o que bem entender. Não fizeram nenhum comício, não escreveram nada nas redes sociais, não produziram vídeos, nem áudios, nem cartazes — só conversaram entre si, num grupo fechado de WhatsApp cuja privacidade foi violada e teve o seu conteúdo publicado na imprensa. Só isso — o resto é pura conversa de polícia secreta em ditadura subdesenvolvida. Golpe pelo WatsAppp? Que diabo de história é essa? Um dos participantes do grupo manifestou a sua opinião através de emojis. Golpista por ter clicado uma figurinha de celular? Os inquisidores não percebem o que estão fazendo; não veem limites para a sua comédia. É essa a democracia de Moraes, do STF e dos seus devotos — a democracia que persegue emojis.

Por acaso esse grupo de WhatsApp tem armas pesadas para tomar o governo, ou estava organizando grupos armados?

Moraes, a imprensa e o restante do consórcio nacional contra a liberdade estão dizendo o seguinte: você não pode ter uma conversa particular com um amigo dizendo que “este país só tem conserto com um golpe”, que não admite a volta de “um bando de vagabundos” ao governo, ou coisas assim. Qual é a lei que impede alguém de dizer, só dizer, isso ou aquilo? E se o sujeito for a favor do AI-5, por exemplo — qual seria o problema? Onde está escrito que isso é ilegal? Por acaso é proibido falar dentro da sua própria casa? Se um vizinho (ou um jornalista) ouvir o que você está dizendo, ele pode sair correndo para denunciar ao ministro Moraes? É onde estamos neste momento de heroísmo e coragem, segundo a mídia, na “luta pela democracia”. Os participantes do grupo estão sendo apresentados na imprensa, diretamente e sem nenhuma dúvida, como “empresários golpistas” — isso mesmo, “golpistas”, como se fosse um fato provado e definitivo. Como assim, “golpistas”? Por acaso esse grupo de WhatsApp tem armas pesadas para tomar o governo, ou estava organizando grupos armados? Tem depósitos de munição ou campos secretos de treinamento? Pode mandar os tanques saírem para a rua? Dá ordens aos paraquedistas ou aos fuzileiros navais? Tem meios para controlar os aeroportos, as usinas de energia elétrica e o abastecimento de óleo diesel? Golpe é isso, entre dezenas de outras coisas da vida real — e não existe nada disso, é claro. Também não se informa como os “empresários golpistas” dariam o seu golpe, na prática. Qual é o seu plano de operações? Quem faz o que, quando e onde? Quem comanda? Não existe golpe de Estado sem comando; alguém ter de ser o novo presidente. Vai ser quem, e por quanto tempo? Esse mesmo, que já está no Palácio do Planalto? Outro? Vão fechar o STF? E o Congresso — o que será feito com o Congresso? Cassa todo mundo? E depois de cassar — vai haver eleição de novo? Quando? Quem pode concorrer? Os 27 governadores vão ficar nos seus cargos — ou serão substituídos por 27 interventores federais? Os nomes desses interventores já foram escolhidos? Por quanto tempo vão ficar nos cargos? Está na cara que ninguém organizou coisa nenhuma; é tudo perfeitamente ridículo, nessa armação grosseira que tem como único objetivo atemorizar os militantes da candidatura de Bolsonaro e tentar que calem a boca.

O “golpe dos empresários” se dá num ambiente de psicose política geral. Parece que Bolsonaro, ao longo desses últimos três anos e meio, provocou um curto-circuito definitivo na capacidade de raciocinar dos seus opositores. É uma espécie de queda maciça do sistema, como acontece nos computadores — “deu pau” em tudo. A argumentação lógica, aí, foi para o espaço. Não há mais debate político verdadeiro, nem livre trânsito de ideias contrárias; há, unicamente, uma guerra religiosa, fanática e sem limites morais contra o “bolsonarismo”, como é classificado hoje em dia todo o posicionamento de quem queira optar, segundo permite a Constituição, pela reeleição do atual presidente — ou de quem não queira votar em Lula. Os brasileiros a favor de Bolsonaro (foram quase 58 milhões nas eleições de 2018) são tratados como delinquentes sociais. Foram declarados inimigos do “estado de Direito”; na melhor das hipóteses, são considerados idiotas na fronteira da debilidade mental. Pede-se em público a sua eliminação física — da mesma forma como se exibe abertamente um vídeo no qual um grupo de pessoas aparece jogando futebol com a cabeça do presidente da República. Como na ditadura comunista da antiga Rússia, onde quem discordava do governo era trancado num hospício, a democracia do STF tem certeza de que os cidadãos que discordam das suas decisões só podem ser loucos. Se não forem loucos, são criminosos. Mordaça neles — ou o xadrez do STF.

É essa psicose coletiva que leva a momentos como os do Jornal Nacional, nessa sua última entrevista com Bolsonaro. Não foi um trabalho de jornalismo; foi um interrogatório em delegacia de polícia, com o delegado querendo falar mais que o interrogado. (A um certo momento, no que possivelmente terá sido uma inovação nas técnicas do telejornalismo contemporâneo, o entrevistador leu uma das perguntas — isso mesmo, leu.) É também o que faz da presença da população nas ruas, neste próximo Sete de Setembro, um ato ilegal a ser punido por lei, segundo se adverte — e se recomenda — em setores da “sociedade civil”. O recado é o seguinte: cuidado. Fique em casa, ou você pode ser preso. É, ainda, a proibição de um anúncio contra o comunismo na parede de um edifício em Porto Alegre; não era um outdoor de campanha, coisa que a “lei eleitoral” proíbe, mas apenas um outdoor com um pensamento. Não pode. O juiz decidiu que é “desnecessário”. Eis aí uma definição realmente admirável da nossa atual democracia — não é necessário pensar, e nem é recomendado pelas autoridades. A mesma neurose geral explica o pedido do PT para que a justiça proíba Bolsonaro de fazer campanha eleitoral durante o “horário de expediente”. Exigem que ele só fale ao público de madrugada, ou tarde da noite; querem impedir, simplesmente, que o homem faça campanha, uma das situações clássicas de eleição debaixo de ditadura.

A maioria da mídia está em guerra aberta contra Bolsonaro; a militância deixou as páginas de opinião e passou a contaminar todo o noticiário, onde é comum se ler, em vez de informação, que o presidente “mentiu” para os embaixadores estrangeiros, ou que ouviu “calado” o discurso de posse do ministro Moraes no TSE, esse cabide de empregos criado numa ditadura do passado e que controla as eleições no Brasil. Quando tem de publicar que a inflação está em queda, diz que não é grande coisa, pois ela também está caindo na Armênia; quando registra a volta do emprego aos níveis de antes da Covid, diz também que o governo não fez nada para diminuir “a fome” — sem demonstrar com fatos, em nenhum momento, que haja fome no Brasil. É uma coisa obviamente burra, antes de ser parcial, falsa ou desonesta — e mais uma demonstração da falência geral de órgãos que a ideia fixa do antibolsonarismo foi capaz de produzir no equipamento cerebral dos jornalistas. É, seguramente, a fase mais indigente a que a imprensa brasileira chegou em sua existência — situação que coincide, concretamente, com o pior momento em suas tiragens e com sua redução a produto de higiene para cães domésticos, por parte de distribuidores incomodados com material não vendido.

O consórcio nacional contra a liberdade criou um clima de opressão no Brasil: isso faz muita gente esconder que vai votar em Bolsonaro, com receio de represálias na vida social, ou no ambiente de trabalho, ou até na própria família. Outros, simplesmente, não abrem a boca para não levantarem a ira do ministro Moraes e a arbitrariedade dos seus inquéritos policiais. Que democracia é essa, onde a livre preferência política passa a ser um sentimento clandestino? Nunca houve no Brasil, como agora, tanto ódio político e tão pouca esperança na volta da paz. O fato é que Bolsonaro seria mais tolerado se fosse um ditador boçal que está no governo por força de um golpe de estado. Mas ele não é isso. Daí a democracia a la STF entra em parafuso. Não se admite que o governo tenha sido eleito, que seja popular e que esteja obtendo uma inflação de 7% ao ano. Não se admite que, ao fim de 2022, a inflação brasileira será menor que a dos Estados Unidos. Não se admite que esteja em vigor um auxílio familiar de R$ 600 por mês, em dinheiro, para os pobres. Não se admite que neste preciso momento haja queimadas na França e na Espanha e não na Amazônia — ou que os incêndios na floresta amazônica foram cinco vezes maiores nos governos Lula do que na gestão de Bolsonaro. Não se admite que o preço da gasolina esteja caindo.

“Essa gente” tem mesmo de ser detida, diz a democracia do ministro Moraes. Comete o crime de pensar

Não se admite, acima tudo, que possa haver vida inteligente no governo; os formadores de opinião ficam doentes com isso. Poucos episódios poderiam demonstrar essa frustração tão bem quanto uma comparação feita com humor, recentemente, numa visita do ministro Paulo Guedes à França. Guedes disse que seria idiota acusar o governo francês pelo incêndio da Catedral de Nôtre Dame, em Paris. Da mesma forma, observou, é idiota criticar o governo do Brasil pelas queimadas na Amazônia, que ocupa uma área territorial maior que a Europa — e não um quarteirão de cidade como a igreja matriz dos parisienses. Foi um ataque generalizado de nervos. Como um bolsonarista pode ter um momento como esse? Como pode dizer uma coisa espirituosa, ou engraçada? Não pode. “Essa gente” tem mesmo de ser detida, diz a democracia do ministro Moraes. Comete o crime de pensar — e isso é terminantemente proibido no Brasil que está a caça de “empresários golpistas”, de genocidas e de outros indesejáveis

https://revistaoeste.com/revista/edicao-127/e-proibido-escolher/

**A opinião do jornalista não condiz, necessariamente, com a linha editorial do nosso Portal de Notícias Opinião Brasília

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